É MADRUGADA PLENA !
É madrugada plena !
Uma daquelas noites autistas
onde o único som e movimento existentes
são pequenos tremores no meu peito.
Devem provir do meu coração – mas não tenho certeza !
A cama, onde me escondo do dia que promete chegar
transforma-se num Oficial de Justiça
exigindo, imediatamente, o meu despejo.
E eu, com medo de realmente estar acordado
reajo à esta expulsão, como um sem-teto que esta sendo desalojado.
Procuro ao meu redor, uma muleta qualquer
não querendo endoidecer, pensando na morte.
Fito meu pequeno radinho de pilhas
implorando a sua voz – o seu acalanto
mas ele dorme um sono profundo
e não acorda com o meu chamado telepático.
Encaro, então, dois livros – um de contos, outro de crônicas
esparramados ao lado da cama, como dois gatos manhosos.
Eles retribuiram meu olhar, acompanhado de um largo sorriso
e, como se lessem meus pensamentos – já conhecem meus temores
deram-me as costas e continuaram a sua conversa pausada
indiferentes à minha ânsia de companhia. Até vocês livros !
Era uma daquelas noites onde o silencio casou-se com a solidão.
Um vazio, onde qualquer pingo d’água da torneira
onde qualquer estalo de um galho de árvore, lá fora
onde qualquer sirene de viatura policial ao longe
onde qualquer choro de um recém nascido no apartamento ao lado :
fariam-me companhia – seriam como uma amante.
Mas, nada acontece !
Até que eu, num último esforço de lucidez
bem como um louco de hospício recorda-se da sua infância feliz
lembrei-me de uma caneta ao meu lado – uma BIC sem graça !
Abracei-a, como a uma filha perdida há anos e que agora reencontro.
Ato contínuo, seqüestro duas folhas tristonhas de papel sulfite
que encontravam-se enclausuradas numa gavetinha do armário.
Transmuto-me, agora – sou outro ser – pareço um titã.
Exorcizo todos os medos – como um ator quando pisa no palco
A caneta passa a ser uma cimitarra alardeando minha força
e o sulfite torna-se um escudo trabalhado na forja de um ferreiro.
Então, escrevo mais uma poesia.
Agora, já tenho uma companhia para passar a noite.