Escrevendo com os lábios
Eram os corpos e os astros, restam as frases. Eras o universo, e és a língua, e nos seus limites está a minha vida, todas as vidas, e ainda que não queira rezar jamais, liberando-me da demência da adoração, agora tenho saudade já deste corpo presente da palavra, das palavras, e a elas lhe peço, com língua de outro mundo, pontes para cruzar os vazios que me ocupam, os desertos cheios da tua presença, os meus sonhos tiranizados com a tua luz; peço, suplico a estas letras escuras que suas dimensões desafiem à mais audaz imaginação, roçando-se entre si, e palavra com palavra por insondáveis precipícios no universo excitante e incompreensível da minha língua:
que se expanda, através destas folhas do tempo, às tuas numerosas galáxias insuspeitas, ou que me reduza a partícula ínfima, lá onde um possa sentir toda a matéria escura que nos envolve e beijar a tua quinta-essência invisível para escrever com os próprios lábios, em algures,
a frase que ao fim te abrace.