Era... é... Dioniso?

Eu sou tudo. Toco a ti e a todo o resto. Sou a fúria do animal e a presteza da chuva. Crio as rosas cálidas e o orvalho do ódio. Constituo o prazer e a dor. Há! Quereis então que eu me defina? Deixai de tolices minha criança, o tempo da lógica já findou. Façamos com que a certeza, permeada de estultícia, desfaleça sob os nossos olhos, altivos e carregados de luxúria. O tempo da razão morreu. Um belo paradoxo, visto que ele certamente nunca existiu. Eu sempre estive lá, onde quer que a lógica e sua austeridade se encontrassem, podiam os mais perspicazes avistarem minhas divinas mãos ofuscadas por trás de tudo. Chamam-me Dionísio, inventor da razão, o somente emoção. Há! Então duvidais de mim? Penetrai o obscurantismo da coerência e então podereis me ver. Camuflado por detrás de um manto, conhecido como mundo e ordem, irás observar apenas um, o onipotente, o lascivo, o tolo, o Dioniso, o Baco, o verdadeiro, o caos.

Mas, por quais motivos vós humanos permanecem em tamanha austeridade? Que diabos faz-vos crer que podeis controlar-me? Não notais que quando pensas em contornar vossos sentimentos estais sendo escravo das tuas emoções? Sim, minha criança, esse iníquo anseio de suprimir, de racionalizar, de controlar, não seria, inversamente, puro desejo, devaneia razão, simples emoção? Eu reino sobre vós e sobre o mundo. Criei a medicina pelo amor às vossas vidas; a matemática em busca de esplendor; inventei a física para que pudésseis saber mais sobre os infinitos e longínquos prados, para que descobrísseis os cantos e os não-cantos do universo; moldei a moral para que os fracos pudessem pensar em justiça e os fortes manipulassem os débeis. Eu sou o que és a ti mesmo: sou homem, mulher, estrela, vida, matéria e não-matéria. Inspiro os poetas e os guerreiros, permeio o coração dos covardes. Sou o desejo humano da anti-bestialidade, sou mesmo a própria morte.

Morte? Que deleite me concebes ao fenecer! Quantos me chamam nas orações às almas, nos choros desvalidos, na pantomima dos rituais. Há! Como me rejubilo ao te ver sofrer! Quando a tristeza te alcança ficai certo do que há em ti, é Dionísio, és tu mesmo, a ausência de princípios, a certeza de que apenas o nada é certo. Mas, por que choras criança tola? Alegra-te ao som da morte e do temor, para que assim as cruéis asas dos malditos anjos da felicidade não te toquem. Conhecei a alegria apenas na demência, se és triste é porque foste feliz. Abominai o júbilo, exceto na embriaguez.

Droga! Já falamos besteiras demais! Assistamos, neste momento, a mais opulenta das cenas. Que sejam escancaradas as cortinas, pois agora terá início a peça. Acompanhai-me, levantai tua taça, sedenta de vinho e de sangue, e contemplai junto a mim o fausto espetáculo. Que comece a vida, que seja iniciada a cólera dos imbecis! Bem-vinda ao mundo humanidade! Embriaguem-se e divirtam-se! Regozijem-se e brindai-vos ao morticínio de tudo e de todos. Eu sou o caos, eu sou o mundo.

Dionísio niilista
Enviado por Dionísio niilista em 05/10/2008
Código do texto: T1212132