Cromar os Dias
"Um rosto de mulher
é o meio que o coração encontra
para manter a sua sede"
(Egito Gonçalves)
Nas horas mansas da lucidez, pressinto o que não volta, irei ver a giestas insubordinadas à luz. Numa tarde casual, próxima dos reflexos da noite, escreverei as árvores de um dia que foi possível com os fundamentos sem hífenes, as mãos translúcidas que adormecem no corpo deitado como um vitral.
Deixo a ameaça das palavras num vácuo, disseste o vácuo, um caminho de saibro atravessa a planície da percepção, foram sentidas na longitude aérea as imagens sucessivas de um tempo imenso. Desenhar a forma de aceder a outra transparência, a outra avenida casual, um vidro ígneo que
acenda o lume incontrolável dos instantes. Só o instante importa, não temos muito mais para fruir nos braços futuros que não arrefecem. Entre sinais, bebo as fontes até ao fundo, com as vírgulas da linguagem expostas numa tela útil.
Cromar os dias verdadeiros noutro lugar ansioso, inventasse praias em desequilíbrio onde alguém estará com os olhos descidos sobre o mar. Ouso sentir a oscilação dos lábios, o rosto destacado pela insubordinada luz, a água que corre dedilhando o desejo.
O desejo que corre dedilhando a água.