SER DO VENTO
Eu não parei para escutar o Vento. Mas a sua voz chegava-me como uma carícia antiga e forte, carregando meiguice e conhecimento. Como ignorá-la?
Então entreguei-me e escutei realmente, como nunca tinha escutado antes. E o Vento falou-me de mim.
Sussurrou-me aos ouvidos memórias de criança, que eu nem sabia que tinha, mas nas quais me reconheci, por entre lágrimas e alegrias. Eram as raízes das minhas escolhas, sobre as quais me construí.
Depois soprou-me por entre os cabelos as histórias dos meus anseios antigos, das esperanças e das dúvidas, do empenho dos meus passos ao longo de tantos caminhos incertos, assombrados por tudo o que podia vir a não ser. Eram as raízes dos meus medos, atingindo-me em arrepios de pele.
Mais tarde, num sopro quente, o vento lembrou-me as histórias das minhas paixões. Falou-me dos amores em que me perdi, e do quanto sofri até me perder noutros tantos que me salvaram. Eram as raízes das minhas procuras, a base de passos erráticos testando os sentimentos.
Soprava morno, quando me falou de esperança e de sonhos, do peito mantido aberto para a vida, esperando dela uma carícia que, tantas vezes, não veio como eu esperava. Eram as raízes das minhas ambições, e das metas que queria atingir.
Não foi diferente, quando me falou de morte. Não lhe pude escutar nenhuma melodia mais triste, nos assobios esporádicos das frinchas das janelas, nem foi gélido o seu hálito. Foi apenas o Vento, mais uma vez, revelando-me as raízes comuns da dor e da saudade.
Mas foi especial como uma carícia, quando me falou de eternidade, e me revelou as raízes da minha vontade de criar.
Eu não parei para escutar o Vento. E ainda não parei de o escutar. Os meus passos continuaram firmes, como firme é a sua voz ao longo dos meus caminhos, explicando-me a paisagem.