[Convite à Dor]
[Nas varandas do casarão do imigrante italiano...]
Rastros luminosos dos esfregaços fosforescentes,
Olhos de fogo de vaga-lumes perdidos na noite;
Um sujeito solitário que tenta, desesperadamente,
Salvar a safra de cebolas e a vida, a própria vida.
Varandas, varandas de espraiar pensamentos,
Olhar a noite escura e pensar na fuga da miséria,
Varandas de onde se olha passar os mortos,
Solidão aconchegada de cobertas de algodão.
Varandas, varandas de matar o tempo morto,
Agora estão cheias de cebolas malditas;
Pensamentos escapam da camisa suada,
Vão para o nada de estrelas distantes.
Sobre os tijolos vermelhos bem varridos,
Pilhas de cebolas na noite sem esperança;
Afinal, quem foi que mandou plantar excessos
Que nem o tiro na cabeça consegue resolver.
E o pior é que se trata de reincidência ousada,
Por isso mesmo, os olhos choram a areia salgada maldita,
Mas não molham a dura face quase envergonhada,
E no sem-fim desta noite de vaga-lumes, sonham saídas...
Cebolas são o produto de lavouras miúdas,
Não crescem jamais sem os cuidados,
E agora, nesta noite de vaga-lumes, secam,
Apenas secam, sem perspectiva de compradores.
Nesta noite, nesta varanda mediterrânea,
Estas cebolas apodrecem também esperanças,
E convidam à dor da perda a alma solitária,
Que nem fala - palavras são inúteis!
Quem cultiva o próprio desespero
Teria o gosto de sonhar e sofrer,
Sofrer com os próprios desatinos,
Chorar no desterro de si, o ermo?
[Nesta noite, nesta noite... é esta a noite!]
[Penas do Desterro, 20 de setembro de 2008]