O cântico

Eu amo a luta, transfiguradora e fecunda,

em seus agudos instantes de plenitude.

Eu amo, eu amo a luta como se apresenta,

quando a vida sorri, e quando me castiga.

Porque a luta tem beleza intrínseca,

como a fonte tem água e o sol tem luz.

Eu não gosto do céu nessas noites macias

em que a lua romântica vai tecendo madrigais

a seu amante milenário.

Eu gosto do céu quando o sol faz doer os

olhos do homens atrevidos.

Eu gosto do céu quando o céu enche o mundo

de claridades que deslumbram.

Eu não gosto do mar quando as ondas

só fazem carícias à praia brancacenta.

Eu gosto do mar quando o mar é fúria desencadeada

enchendo o ar com estrodejamentos de apocalípse.

Eu não gosto do vento quando a folhagem

apenas baila um bailado pequenino.

Eu gosto do vento quando os cedros descrevem curvas penosas,

e toda a floresta fica gemendo na devastação absoluta.

Eu vejo refrações magníficas na pele dos

trabalhadores que suam em trabalhos rudes.

Eu me sinto orgulhoso quando minha própria

fonte é um só porejar abundante.

Eu bebo meu suór sem nojo,

como os selvagens deglutem religiosamente

o resto dos seus guerreiros mortos.

Eu bendigo o rosário de inquietações que o destino me concedeu,

porque essas contas se há de medir a força de minha mocidade.

Eu bendigo os golpes com que o mundo me faz sofrer,

porque esse golpes estão pondo à prova as energias do meu espírito.

Eu bendigo, eu bendigo a sanha dos que me combatem

e a impiedade dos que me odeiam, porque, com este ódio

e com esses combates, incendiarei substâncias novas do meu ser.

Eu abomino as horas longas e as largadas;porque nas largadas e longas, não se erguerão as catedrais imperecíveis.

Eu fujo do silêncio porque o silêncio é mensagem da noite

é a ausência do sol.

Eu não quero morrer na posição que todos ensaiam, no fim do dia.

Eu quero morrer varando o azul em saltos incríveis.

Ou rasgando o chão pela força de velocidades inauditas.

Ou sentindo, no fundo da vida, onomatopéias de sangue gorgolejando,

de todas as carnes se abrindo...

Porque o cântico de um homem novo é um cântico de querra.

Newton Sampaio

(1913/1938)

João Junior
Enviado por João Junior em 17/09/2008
Reeditado em 17/09/2008
Código do texto: T1183080
Classificação de conteúdo: seguro