Uma noite e seis poemas sem poesia

Uma noite e seis poemas sem poesia

O céu da noite é feito de nuvens e de luz. Não sei de onde vem a luz, mas o céu está iluminado e é noite. É lua. É lua cheia e eu a vejo entre galhos secos de alguma árvore.

É noite e eu estou de pé. Escrevo de pé. Sem roupa.

Minha alma está dilacerada. O coração também. Meus olhos estão dilacerados; minha visão também.

Mas meus ouvidos não estavam dilacerados quando mais deveriam estar!

Os mínimos detalhes do que é hoje eu devo narrar. Hoje é ontem; e ontem me destroçou o que mais eu tinha a zelar. Não zelei. Destroçou-se.

Ontem foi antes de ontem e ontem também. Ontem e antes de ontem foram sete dias de duas semanas inteiras. Se um homem sente um dia em uma semana, eu senti um mês em um dia. Mas foram dois, os dias. Foram dois dias que pareceram duas semanas. E ontem é o hoje que não é esta madrugada, é a noite em que meus ouvidos deveriam estar dilacerados.

Em um dia eu me apaixonei. Simples, como todo mundo. No dia seguinte, que é o hoje de ontem: você já sabe: meus ouvidos.

Dói.

Não os ouvidos.

Quando os ouvidos deveriam escutar o que o amigo dizia sobre a noite, sobre a lua, sobre a árvore, sobre o lobisomem que ele seria, eu escutava o beijo. Aquele que eu não esperava, não imaginava, pois não havia quem beijar, aliás, havia, tanto que beijou... não eu; o outro.

Essa noite foi lua, foi lobisomem, foi loira, foi Débora e foi também um são-paulino.

Este texto é o palíndromo do que eu gostaria que voltasse e assumisse outro significado. Esse texto é o que eu escrevi por último para o que vem a ser o primeiro sofrimento. Esse texto é raiva. Esse texto não é.

Porque dói?

Sofro como tantas outras vezes.

Já sofri tantas outras vezes

Como agora sofro.

Porque dói?

Porque a alma dói?

Eu tenho alma?

Não tenho lama.

Tenho dor.

Dor onde seria o coração.

“A tua”

Eu. Eu... eu!

O que é eu ser o seu,

eu ser o que é, no que a.

O a.

No que há o a.

No o não estou...

Sou seu.

Sou seu...

Sou seu?

“A lua”

O que é a lua.

O que é o céu.

A lua é o que é o céu.

O que é o céu sem a lua.

O que é eu sem...

A lua.

A lua e eu.

Eu sou o céu...

mas não sou eu.

Sou o réu:

sem juiz.

“Não há”

Estado d’alma.

A dor da alma.

A cor da calma...

não há calma!

Há sofrer... há eu.

Não há mais ninguém.

Há eu.

Há eu e mais ninguém.

“Suzinho”

Suzinho é o que sou

Suzinho é o que estou

Suzinho é o que eu serei quando a noite amanhecer

Suzinho é o estado daquele que não tem ninguém

“A alma do homem foi furtada”

A alma do homem foi furtada.

Era uma noite de lua cheia,

Era uma noite para lobisomens;

Mas a alma do homem foi furtada.

Como ele poderia crer que

a noite de lua cheia,

a noite para lobisomens

Seria uma noite de homens sem alma.

Era noite do homem furtado.

Era a alma do homem sem alma.

O lobisomem roubou a alma

Daquele homem que sou eu.