[Temporã]

Por entre as raízes e talos das folhagens do brejo,

tranquilo, furtivo, escapa cantarolando o rego-d’água.

Caprichoso, traça sinuosas curvas por entre as pedras,

e em seguida, fino cordão de verde-esperança

a encompridar-se na sequidão da pastagem,

segue sempre reto, frágil, porém constante.

Depois de matar a sede dos animais,

adentra, sob os fios de arame de uma velha cerca,

o quintal de árvores frutíferas acossadas pela seca.

Passa sob uma pinguela de tronco roliço,

molha de escuro um pedaço de roda de carro de boi,

e esbarra com um velho disco de arado,

uma ferradura semienterrada no barro,

a ponta carcomida de um cambão quebrado —

sabe, portanto, que o Homem está por perto.

Em seguida, serpenteia por entre as árvores,

principia o cúmplice diálogo de águas e raízes sequiosas,

e termina por engendrar na secura do quintal judiado,

o milagre das frutas temporãs — a eterna surpresa,

a doçura do indizível sabor de superar adversidades!

A primeira a fruir a vida que chega de longe é a goiabeira,

a seguir, é a jabuticabeira que a retribui com basta sombra;

e logo abaixo do curral, é a vez do limoeiro

desabotoar sua florada, a promessa de frutos.

E por fim, o rego-d'água cumpre a última missão:

tomba, copioso, no cocho do velho monjolo

e dá a cadência monótona das batidas preguiçosas

que vão pilando os grãos de nosso alimento.

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[Penas do Desterro, 19 de janeiro de 1999]

Caderno 2 p.73

[Da minha coletânea "Arribadas, o Passo da Volta"] - Ilustrada por Paula Baggio