Desejo magnético

Prólogo:

Precisamos e queremos resgatar a auto-estima, sentimentos reclusos, rebeldes, castrantes, enfraquecidos ao longo do tempo. Temos a absoluta certeza que as lívidas rosas que surgem do malcheiroso pântano, da falsa infidelidade, ornam-se do mais ébrio perfume, vestem-se com a mais fina seda e desnorteiam todos em volta pelo resplendor do nosso bem-sucedido desejo magnético.

Passeava devagar, como sempre ando; evito as demasiadas depressões das calçadas que são perigosas, para todos quantos queiram e gostem de passear, a pé, nos momentos derradeiros das tardes primaveris.

Ela olhou-me de soslaio, distraída, segurando uma madeixa de seus cabelos negros que se desenrolavam sobre os ombros morenos, nus e delicados. Naquele instante não queria que ela tivesse olhado para mim. Eu estava feio, sentia dores no joelho esquerdo. Acho que fazia caretas que os outros transeuntes viam e disfarçavam.

Esconsos, nossos olhares se encontraram. Sem saber o porquê pensei em uma verdade incontestável: Eu estava vivo! Sabia que poder não é a capacidade de influenciar acontecimentos, mas sim a competência para não se deixar supervalorizar por um ego monstro e ufânico. Com aquela mulher eu teria um filho e cuidaria deles, mãe e filho, a pães-de-ló, assim como cuido dos meus amados filhos e cães Jade e Hulk.

No entanto, havia um problema sério para a realização desse devaneio. Eu era estéril. Há alguns anos fizera uma bem-sucedida vasectomia. Ah! E se fora malsucedida? Poderia mentir. Por que não? Não. Mentir para uma mulher daquele quilate era um sacrilégio. Com a força de um vendaval lembrei-me das palavras de George Orwell:

“... Durante os tempos da mentira universal dizer a verdade é um ato revolucionário...”. (SIC).

Eu sou ou quero ser um revolucionário? Não sou. Tampouco quero ser. Resolvi mentir. Mas mentiria com a classe de um autêntico mitômano.

Explicação: George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair (Bengala, 25 de junho de 1903 - Londres, 21 de janeiro de 1950) foi um escritor britânico mais conhecido pelas suas duas obras maiores, A Revolução dos Bichos (conhecido em Portugal como O Triunfo dos Porcos) e 1984. Morreu de tuberculose, na miséria.

Alguém certamente já disse ou escreveu: “A mentira não é apenas invenção deliberada, uma ficção, pois nem toda ficção ou fábula é sinônimo de mentira. Não pode ser mentira a literatura, a arte ou mesmo a demência (sintoma da confabulação). “A intencionalidade é que define a mentira, estabelece o dano ou dolo”.

Assim sendo, não mente quem acredita naquilo que diz, mesmo que isto seja falso. Assim deduzo. Santo Agostinho declara que “Quem enuncia um fato que lhe parece digno de crença ou acerca do qual forma opinião de que é verdadeiro, não mente, mesmo que o fato seja falso”.

Pronto! Não mais me preocuparei. Como todo advogado eu arranjarei um jeito de mentir sem ser taxado de falacioso. Vou me aproximar da garota. Quantos anos ela teria? Urdirei uma história verossímil e no mínimo conseguirei um endereço, um “e-mail”, um número de telefone.

– Boa tarde. Por favor, qual é o nome desta Rua? – Perguntei sério.

– Boa tarde. Esta é a Treze de Maio. O senhor está a procura de qual número?

– Não sei o número, mas me disseram que o 2º Cartório de Registros Públicos fica nesta Rua. Sou advogado e preciso de algumas certidões e entregar mandados de retificação. Ah! Desculpe-me sou de João Pessoa e desde a semana passada montei um escritório de advocacia na Rua Cardoso Vieira. Não conheço, ainda, a cidade.

– Muito prazer. Meu nome é Ana Lúcia, mas todos me conhecem por Analu e, pasme, sou estudante de Direito na UEPB. Ah! Chegou minha carona. Olha, por trás do antigo cine Capitólio há um Cartório de Registros Públicos e acho que é esse que o senhor está procurando.

– Oh! Sim, isso mesmo. Meu nome é Henrique. Sou advogado e autodidata em outras áreas - neste momento pensei nas inúmeras áreas que tento dominar -. Pobre de mim. O filósofo Sócrates já dizia: "Só sei que nada sei". Já o poeta Luciano Spagnol, estribado na música de Enya escreveu: "Não sei versar o que sinto, Mas sei sentir a emoção, que flui do meu instinto, nos arrabaldes da inspiração".

Repentinamente fiquei demasiado triste. Quantos dos meus notáveis leitores conheciam a beleza da poesia de Enya em forma de música estilo "new Age"? Poucos. Muito poucos conheciam e ouviam.

Explicação: Eithne Ni Bhraonain, filha do casal Máire (o Baba) Duggan e Leo Brennan, é a quarta de nove filhos, cujo nome, dado pelo seu avô materno, é gaélico irlandês podendo ser traduzido como "Eithne filha de Brennan". Nascida e criada em Gaoth Dobhair, condado de Donegal (Dhún na nGall em irlandês), situado no noroeste da Irlanda, um local cuja língua oficial é o irlandês.

Filha de pais músicos, Enya sempre procurou inspiração para as suas músicas na sua terra natal, com notada influência principalmente da cultura celta. Em 1980 passou a integrar a banda irlandesa Clannad (que significa família). A banda era formada pelos seus irmãos e tios.

Enya tocava teclado e fazia vocal. Quando a banda começou a tomar uma direção mais para a "música pop", ganhando notoriedade e participando de programas de televisão, Enya resolveu deixar o grupo para seguir a carreira solo.

Como poderia eu um simples autodidata, curioso por excelência, querer aprender um sem número de matérias, artes e ciências? Ser poeta não é fácil. É preciso sentir, ver e ouvir o quê não se pode perceber, assomar e transformar em amor tudo o mais que se nos afigura como sendo infortúnio e/ou desgraça.

Mesmo assim eu disse: "Obrigado pela informação. Verificarei se é o quê eu procuro. Receba meu cartão. Caso precise de algo é só me procurar. Nunca se sabe quando se vai precisar de médico ou advogado, não é mesmo?".

Um sorriso sublime rebrilhou seu rosto angelical. Jogou uma madeixa de cabelos para trás do pescoço delicado e semicerrando os olhos negros e pontuais disse em um sussurro claro: “Certamente precisarei. Estou cuidando de minha monografia e não terei receio em solicitar sua ajuda”.

Dias depois ela me ligou. Ajudo no que posso, embora ela seja reservada, enérgica e resoluta em seus propósitos. Já somos íntimos. Antes me tratava por "Senhor", mas hoje me trata por "Você".

Passados alguns dias, após aquele bem-aventurado encontro, corre em minhas veias e artérias, por todo o corpo, um sangue novo. Não se trata de um líquido viscoso, vermelho, que circula pelo organismo animal, através de artérias e vasos, impulsionados pelo coração, mas sim de um alento que me deixa menos máquina e mais humano.

Os eritrócitos pulam e vibram, querem se expandir e mostrar aos insanos, cegos e insensíveis que estou vivo e pronto para enfrentar novos desafios, empreitadas cuja energismo supera o simples e normal.

Ademais, mais do que ninguém eu sabia que para uma mulher um amante era a melhor solução para que se mantenha unida com quem se tenha estima. E os princípios? Como preservá-los? Ora, princípios só servem para mesquinhar homens e mulheres inteligentes e sãos.

Ela tem pouco mais da metade de minha idade, mas já deu mostras de não ser preconceituosa. É a essência do que se pode imaginar em uma complexidade feminina. A perfeição nela sobeja porque possui: amor, discrição, inteligência, beleza, requinte, formosura e encanto feminil; excede em equilíbrio emocional e sabe compatibilizar conflitos pessoais, motivados por anseios reprimidos.

Esse encanto de mulher tem admirável condescendência, mas sempre vai à luta pela conquista de seus propósitos. Sem apagar a luz dos que estão em sua volta ela acende o lume da razão e da esperança para sinalizar sua trajetória triunfante. Essa é a menina-mulher que me encanta.

A paz que me transmite o desejo magnético bem explica a sua originalidade. A verdadeira paz é aquela que mesmo nos momentos mais difíceis nos permite repousar tranqüilos. Talvez muitas pessoas não consigam entender como pode reinar a paz em meio à tempestade de problemas interpessoais, mas não é difícil compreender.

A consciência é um refúgio seguro, quando nada tem que nos reprove. O contrário também pode acontecer: tudo à volta pode estar tranqüilo e nossa consciência arder em chamas. Ela é um tribunal implacável, do qual não conseguimos fugir, porque está em nós. Em nosso mais íntimo consciente.

É ela (a consciência) nosso juízo arbitral que nos dá possibilidade de permanecer em harmonia íntima, mesmo quando tudo à volta ameace desmoronar. Quero ousar dizer sob a lógica do mais provável acontecimento proibido pelo convencional em um porvir próximo: Merecemo-nos plenamente. Estamos, ela e eu, em paz.

Nossas mentes e espíritos não estão iludidos. Guia nossos eflúvios o amor e desejo que, com a força do açoite e violência das ondas do mar em meio a uma tempestade estrondosa e cheia de luminescentes relâmpagos, nos mantém solidário e cúmplices, discretos e esperançosos, unidos em uma só conquista por mérito: o prazer.

Repito e grito se necessário for: Precisamos e queremos resgatar a auto-estima, sentimentos reclusos, rebeldes, castrantes, enfraquecidos ao longo do tempo. Temos a absoluta certeza que as lívidas rosas que surgem do malcheiroso pântano, da falsa infidelidade, ornam-se do mais ébrio perfume, vestem-se com a mais fina seda e desnorteiam todos em volta pelo resplendor do nosso bem-sucedido desejo magnético.