A ILUSTRE VISITANTE DA MADRUGADA

Ela estava partindo de novo. Perdera a conta de quantas mudanças "definitivas" havia feito... Algumas caixas a acompanhavam sem serem abertas... Já nem sabia mais o que continham... Mas deviam ser coisas importantes, como cadernos de alfabetização, a primeira tabuada, alguns grampos de cabelo,um imã de geladeira, umas moedas antigas, telefones escritos em guardanapos de papel, uns santinhos que a mãe lhe dava...

Estava partindo de novo... Essa mudança até que não seria tão complicada como aquela no tempo em que tinha a Afrodite... Afrodite era sua gata de estimação... Perguntei-lhe se a gaiola - era assim que eu chamava a maleta porta-gato - estava em ordem... Respondeu-me com um "ham-ham", resposta que poderia ser qualquer coisa... No vai-e-vem frenético de caixas, bolsas e malas, o fundo da tal gaiola desprendeu-se, a gata despencou, saiu correndo pela rua, quase foi atropelada... melhor não entrar em detalhes...

Bem, mas ela estava partindo com um brilho diferente nos olhos verdes.. Confidenciou-me que havia recebido uma ilustre visita na noite anterior e que essa visita dispôs-se a acompanhá-la na viagem...

Abriu uma pequena caixa de papelão de tampa furada e apresentou-me a nova velha amiga... Verde e sonolenta - talvez por conta de na madrugada ter-se ocupado em ouvir confidências daquela menina- cigana, espreguiçou-se sem notar muito a minha presença. Depois, olhou para mim e como se quisesse aquietar meu coração fez um sinal de aprovação com a cabeça... Posso estar louca, mas tenho quase certeza de que piscou o olho para mim... Entendi os sinais como um pacto... A Esperança não a abandonaria... estaria sempre a espreita num canto de sua mala, pronta para novas viagens...

(texto inspirado nas mudanças e na poesia da minha poetisa-cigana, Luciane Goldstein)

Belinda Tiengo
Enviado por Belinda Tiengo em 12/09/2008
Reeditado em 12/09/2008
Código do texto: T1173994
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