Do que há - Parte II
Parte II
Na rua a menina passeia sobre suas próprias ausências. O cheiro de carne é forte por todos os lados. Uma gota de álcool escorre do olho em chamas. Não há um só deus de plantão ao meio-dia. Fico estarrecida diante das imagens que me circundam enquanto tento sair de mim e desta coisa que me acontece como por espanto. Esta coisa é um transpor de rio. Coisa de vereda mesmo, de córrego, de quem escoa sem saber direito de onde nem pra onde. A menina e seu vestido azul deslizam na calçada, assim como o céu desliza nas nuvens. E eu tenho um furo na mão, posso ver o outro lado do que escrevo. Mas a menina não, ela está para calçada e para o vestido azul, tudo mais é o desconhecido. As cores cortam o vento. As ruas sofrem passos e pulos. A música imprime uma forma à cidade que se amontoa em tribos com direito a caciques apoiados pelo dinheiro público. Atrás da cortina não tem nada atrás da cortina, porque tudo é revelado e exposto em vísceras abertas. O desejo azul dança no meio-fio, entre as náuseas. Cai a tarde.
A mulher guarda o corpo na gaveta de baixo do armário, depois de passá-lo por horas sem conseguir desfazer-lhe as rugas.