Clima perfeito

Prólogo:

Ela adorou ver o professor de Direito Constitucional em trajes de advogado. Sentiu-se ótima quando viu o professor de Português escrevendo sublimes poemas de amor; difusos, para muitos, mas ostensivamente direcionados a ela.

Ela é uma rosa mística, merecedora de tratamento delicado e especial; possui uma aura esplendorosa de mistério e fascínio que envolve as delicadezas do amor angelical.

Ela sabia que: "Entre quatro paredes, em obediência aos anseios mais sagrados e com excesso de discrição e suprema aceitação... tudo será válido e aceito". Ele desejava uma resposta sobre a exalação de seu cheiro natural, de fêmea, mas essa resposta nunca veio! Ela não queria ou não podia? Essa obliteração de princípios elouquecia-o.

Os ânimos foram enaltecidos e a chama da fé alimentada com o comburente oriundo de pólos totalmente diametrais. De um lado a simplicidade meiga de uma mulher jovem, linda, curiosa, sensual e extremamente feminina.

Na outra ponta da linha tênue, que unia os que se consumiam pelos desejos ocultos, existia um homem experiente, discreto, abstido, meio anarquista quando se tratava de assuntos correlacionados aos prazeres mundanos, existenciais. A lógica do esplendor que os envolvia, nessa empreitada fascinante, sobrepujava todos os sentimentos conhecidos pela humanidade acadêmica e científica.

O encontro aconteceria em um local neutro e insuspeito. Os amantes entregar-se-iam sem lindes. A brutal e desmedida concupiscência se aguçava em delicadeza, encanto, garbo e graça à medida que se aproximava a data em que se realizaria o desfecho do esperado momento.

O fascínio que ela exercia sobre ele vinha do conluio da beleza com a inteligência, do proibido com o inusitado, do sofrido com o prazeroso, do medo com a coragem provocada pelo atrevimento dos envolvidos.

Intenso era o apetite sexual da menina-mulher. Os olhos negros e pontuais sinalizavam essa vontade. Para a ocasião, bebidas, petiscos e música precisavam combinar a contento. Eles gostavam das mesmas coisas: coca-cola® zero, tapioca, amendoim moído, bolos e guloseimas mil. A festa a dois seria perfeita e inesquecível. O mês de outubro foi o escolhido para a excelsa manifestação da cumplicidade acertada.

Impossibilitada de sair à noite ou de intentar uma viagem aos arredores da cidade, ela sugeriu que se encontrassem à tarde. O amante era um bem sucedido advogado, saudável, discreto, ousado, atrevido e apaixonado pelos trejeitos, cheiros e delicadezas feminis.

O homem sério e pretensioso, às vezes, apaixonara-se perdidamente pela candura da morena de gestos amáveis e iluminados pela luz difusa emitida, intensamente, por poucos anjos benfazejos.

Não sendo onisciente, o advogado resolveu rever um antigo filme francês para apurar seus instintos. Autodidata, queria sempre e mais aprender sobre a natureza feminina. Viu e reviu "Belle de Jour" (A bela da tarde). Trata-se de um filme francês de 1967, do gênero drama, dirigido por Luis Buñuel, e com roteiro baseado na obra de Joseph Kossel.

O filme “Belle de Jour” é, aparentemente, a história de uma mulher rica, infeliz e casada, que durante as tardes tenta realizar suas fantasias sexuais e espantar o tédio trabalhando em um bordel. Contudo, a profundidade está na crítica a sociedade burguesa e a separação das profissões por classes sociais.

Digressões à parte os amantes estavam quietos. Esperavam a melhor ocasião. Não se telefonavam. Seus computadores, silentes, não os aproximavam. Nem às mensagens cifradas, embaralhadas pela notável tecnologia, ela dava retorno. Ambos sofriam pela absoluta falta de oportunidade para se comunicarem e dizerem: "queremos-nos assim".

Eles estavam perto um do outro, mas uma barreira invisível, compacta, obliterante, os impedia de se comunicarem. O nome desse obstáculo? Discrição e respeito aos cônjuges de ambos. Não se expunham em nome do segredo mágico que os envolviam. Tudo caminhava para o clima único, desejado e mais-que-perfeito.

Ele dedicava horas ao estudo, ao trabalho, às pesquisas, e, de permeio, ouvia música e via filmes para relaxar. Com isso ganhava mais do que precisava, embora quase sempre recebesse menos do que pretendia e merecia.

Nesse ínterim ela cuidava do lar e dos demais afazeres domésticos, não se descuidava, no entanto, da aparência com vistas ao mais que esperado momento da entrega sem limites, medos ou culpas.

No último encontro virtual ela lhe segredara o desejo de colorir os cabelos negros na tonalidade do seu agrado (castanho caju). A indumentária? Usaria um vestido leve, esvoaçante, combinando com os cabelos longos e perfumados. Não usaria maquiagem qualquer pois detestava macular sua beleza natural com sofisticados cosméticos.

Ele gostaria de estar usando algo menos sério. Bermudas e camiseta com mangas. Todavia, a semideusa, iluminada, dera-lhe a entender gostar de um traje mais formal. Hoje tudo é permitido. Misturar cores e estilos, desde que harmoniosamente, produz um resultado ousado e alegre. Desde os mais sofisticados até os mais descontraídos. Seria feita a vontade dela. Usaria um traje formal, sóbrio, sem ser soturno.

Ela era uma formosura. Todavia, igual a ele, era solitária. Sem dúvida nenhuma eles se identificavam em suas necessidades. Ambos eram reprimidos em seus mais íntimos e inconfessáveis desejos, necessitavam se complementar para a consecução dos prazeres a que se negavam. Foi com esses pensamentos que o advogado se lembrou de um trecho escrito por Pedro J. Bondaczuk:

“ A pior das solidões é a que sentimos quando acompanhados, no meio de uma multidão. Não se trata de uma questão quantitativa, mas de compreendermos os outros e nos fazermos compreendidos por eles. Maridos e mulheres, pais e filhos, irmãos, parentes de quaisquer graus ou amigos, por mais íntimos que sejam, por maior afinidade que tenham conosco ou por mais que necessitemos de suas presenças, jamais nos completam. A maioria dos sentimentos, das emoções, dos medos e das inquietações temos que suportar de forma absolutamente solitária”.

Ele não gostava da propriedade individual nem coletiva, mas queria aquela morena menina-mulher só para ele. Podia? Ela é que teria de se manifestar e lhe assegurar essa doida felicidade. Eles se buscavam e se envolveram porque se queriam. Desejavam-se porque estavam sós. Ela não devia se punir privando-se do sagrado direito de ser gente.