Uma Declaração Prolixa de Amor

Bem assim, no começo, é normal que não se saiba dizer exatamente como começou. É aquela coisa, quem entende o que é provavelmente nunca sentiu. Não que eu esteja me gabando, magina, não faço essas coisas. Mas só quando você entra num carro bacana e sai dirigindo com o freio de mão puxado, aquela fumaça dando pra todo lado e você chamando atenção sem perceber é que você vê o quanto é patético aquele motorzinho 1.0 do dia a dia.

Daí você tenta entender muito bem o porque de estar tudo balançando. Olha pela janela do avião, tudo embaçado e vê uma luzinha no final do túnel, é fogo. Literalmente. Você passa a ter certeza que se der tudo certo ou você acaba morto no fundo do oceano, a não ser que o Clark venha salvar a Lana, ou então você cai na ilha de Lost e vai ter que aturar o Xerxes jogando golfe e o Tom pegando a gostosinha. Vão lembrar de ti no máximo como aquele coadjuvante que acende a fogueira no fundo, olhando desejoso pro churrasco de marshmellow enquanto o carinha com o violão tocando Jack Johnson chama toda a atenção, e pra você nada. Mas tudo bem, a menina na propaganda se fode também.

Ai tem aquelas vezes que você dá sorte. Sai com um rei de paus e logo vira uma rainha de copas no flop, daí você pede truco, o maluco grita seis, nove, doze, vinte e quatro, você dá uma zapada e lembra que o jogo é outro, e você não faz parte dele. Você diz que contigo o buraco é mais embaixo, que quer jogo sério, compromisso. Tua parceira considera. Você pisca um olho, ela acha que é zap, o então diz que morreu e ninguém te prende em nome da lei. Se faz sinal de pica-fumo então, vixe, diz que você é mal educado e fica mostrando a língua. Bem que você queria provar da língua dela, mas é freud.

E todo aquele lance de que música de amor é cafona é mentira. Não tem melhor companheira quando você ta chapado as quatro da madrugada vomitando no balcão do bar e cheirando a perfume barato de prostituta feia do que uma baladinha romântica. Você nunca vai ser tão feliz do que aquela vez que chorou ouvindo Fabio Junior ou Engenheiros do Hawaii olhando praquela cabecinha no fundo da galera mostrando o dedo do meio, na foto preto e branco, desfocada, mas que você sabe bem quem é.

Pior é quando ta aquele calor no quarto, você liga o ventilador, teu travesseiro cheirando a suor e cerveja e você não pode abrir a janela porque ta cheio de pernilongo querendo te picar. Na TV só tem reprise do jogo de volley da república tcheca contra a seleção sueca e todas elas de alguma forma parecem aquela menina que você não lembra direito o nome mas que estudava contigo na sala de química experimental quando você achava que fazia curso de direito, logo na cadeira da frente. A fórmula que a galera montava parecia alquimia, e todo aquele cheiro de cabelo recém-lavado se espalhava pela quadra, entrando pelas duas portas e subindo, subindo, direto pro peito.

Ce lembra bem de quando ela entrou no msn. Teu dedo tremeu e você contou pra ela que teu irmão ganhou um robô que peida. Ela achou que era brincadeira. Daí você digitou “te amo você é legal” ao invés de “todo ano no natal” e foi talvez a coisa mais estúpida que você já viu alguém fazer na vida, mas ela achou bacana e te deu um gorro do papai noel, por e-mail. E uma pá de gente te pergunta como que funciona, e você fica sempre dúvida se é sobre o robô que peida ou sobre o amor. Por via das dúvidas, vai os dois. Um dia você sonhou que o robô tinha saído de mãos dadas com ela, foram pra praia. O impacto foi tanto que a única coisa que você pensou foi “será que a bateria não acaba?”? Não, é duracell. Mas ele enferruja com a maresia. Além do mais, você faz bem melhor. O problema é quando todo mundo grita “corram para as montanhas!”, você tropeça na vaca sueca do jogo de volley e desce rolando.

E quando as pessoas vem te perguntar qualé, qual foi, porque que tu ta nessa, você responde “malditos bretões!”. E lembra daquele filme-animação do Asterix e Obelix que é bacana. Ela curte filme de guerra, daqueles que o Clint Eastwood anda investindo. Já você prefere aquela coisa mais medieval, tipo Roma. Mas não faz mal, ta saindo 300 de Sparta, tem um pouquinho dos dois e nenhum deles em todo relacionamento, é uma troca. This is Sparta! Take everyting, give them nothing! Em pensar que o Gerrard Butler já foi o Fantasma da Ópera. Você também. Até aqui tem algo em comum.

Tudo é analogia pra outra coisa, por isso que nada faz sentido. Decifra-me ou te devoro, falou a Esfinge. Édipo respondeu: - ela! Porque que a esfinge era mulher? Eu entendo ela muito bem, como ninguém. Se fosse homem, daí eu rodava. Ainda bem.

E todo epitáfio devia dizer: aqui jaz alguém que amou você. No final, pra quem amou alguém, todo mundo é você.