{ Eu sei... }
Eu sei, tudo é ilusão, somos essas cores condensadas. Esse amarelado de fotografias onde desfolho a vida, um desbotado de histórias.
Orbito o teto e as paredes e as coisas postas sobre a mesa. Uma lágrima ardida se armazena no canto do olho, se equilibra no pestanejar frágil do instante. E tomba, escapa até a soleira dos lábios, à beira da porta aberta salgando a entrada do tempo, um dia tudo isso se cristaliza, eu viro pedra, cinza, um mais que nada no debrum das coisas que ondulam.
Minha mãos deslizam no tampo da mesa, tocam superficial e profundamente os objetos à procura, a procura de. Minhas mãos alisam a ausência, o silêncio das outras cadeiras em torno e puxo-as para mais perto, elas arranham o taco e o silêncio.
Esparramo as mãos sobre a toalha branca, toco em um dos pontos que se desenlaça das linhas entremeadas ao centro, imagino que com o tempo, o destrançar de toda a trama de pontos acabe num amontado de desnovelo.
Para cada parte que olho, tudo é um agora feito de lembranças, memórias e aquela sede de quando se acorda do sonho acordado.
Tamborilo as mãos numa espécie de tarantela triste. Na ceia, essa fome antiga, ancestral, refletida no fundo vazio e transparente das coisas intocáveis.
Inútil perguntar, penso imediatamente.
Inútil a lembrança, penso ainda.
E se pensa consciente quando se está com fome, pensa?
Me dou conta: mesa não posta, eu toda fome, sede, lembrança, procura, ausência, falta, vazio. Nadica de nada.
Nessa tarde entojada de domingo, nessa tarde mofada de inverno, o sol se passa sobre as coisas velhas, sobre as coisas postas, sobra a vida em prosa.