((( PRÉ- NATAL )))
Sinto saudade de um tempo que em mim já não há, como um cheiro que passou veloz, trazendo-me memórias de coisas não vividas. Dou falta de um eu que ainda não existi -assim mesmo, sem concordância- e pra que me serve a lógica ou a gramática, se o tempo em que vivo não está nos livros, se o dia não correu, se o uísque que bebi ontem não conserva hoje a mesma euforia?
Apenas o sol, que me queima até mesmo nas noites, me consumirá sem variáveis, o mesmo fogo que queimou tantas letras inoportunas que de mim saíram, teimosas, tão sinceras e doloridas que somente a combustão para aplacar tal atrevimento. Reflexões que me cortaram impiedosas, e fizeram-me aceitar a pequenêz da qual um dia me tornei oriundo. Não, não as odeio, só agora enxergo o bem que me fizeram. Me deram a lucidêz, quando erroneamente julguei que tiravam-me o orgulho. Sou agora aquele que me tornei, aquele que nada exige, por nada poder dar, e vislumbra nisso alguma justiça, e daí consegue expulsar de sí algo do rancor e da hipocrisia que um dia concedeu morada. Persigo assim os dias que não vieram, as letras que não escrevi, os sonhos que não sonhei, o sorriso que não me veio, a lágrima que não chorei; aquele que ainda não fui.