[Dialética do Tédio]

O meu tédio é sem causa, sem nome.

E o maior absurdo é perguntarem-me

a que se deve o meu tédio!

Nervoso, e ainda mais entediado,

respondo que a fina síntese do meu tédio

é não conseguir romper a pústula da existência...

Suportar tormento dos outros que existem

além de mim, além das fronteiras do meu corpo —

que poderia ser mais entendiante que isto?

Suportar as contradições minhas, os erros meus,

e os massacrantes antagonismos dos circunstantes —

alguém pode atinar com causa maior para o tédio?

Suportar a masmorra que há em cada minuto,

a cinzenta prisão sem data certa para a liberdade —

será necessária outra razão para o tédio?

Suportar a vida sem onde, perdida já,

a voz triste do ermo dos sonhos desfeitos —

já não me basta como essência do tédio?

Suportar, sentir na carne até, ao correr das décadas,

o ruir fragoroso das verdades de cada época —

por que eu precisaria dizer mais sobre o meu tédio?

Suportar a crescente descrença no ato de falar aos outros,

o emudecimento sufocante no frio de um beco escuro —

pode alguma coisa ensurdecer mais tédio em meu peito?

Suportar a lentidão arrastada das esperas,

a fina garoa esparzida nos becos da minh'alma —

o que mais poderia me matar de tanto tédio?

O meu tédio, quem diria... é sem causa, sem nome;

ou tem todas as letras do meu próprio nome?!

Bater em portas erradas faz mal à saúde...

[Penas do Desterro, 21 de agosto de 2008]