JAULA DE GELO
Está tudo tão incerto, esta rocha é tão desconfortável, mas está tudo tão bem, estou conseguindo ser tão discreto... Mesmo assim faz muito frio por aqui.
Deus nem passou por mim, o mundo nem girou suas vértices e simplesmente amanheceu e o medo acordou ao meu lado, segurando bem forte minha mão.
Faz muito frio aqui, mas eu tenho que contar o que está acontecendo.
As pessoas não se conhecem como o céu e a terra. Os próprios donos do mundo passaram sua vez de olhar. É tão bom pessoas estranhas: você lhes conta o que quiser, mas no fundo elas sabem da verdade, porque a mentira crucifica quem está há alguns passos da morte.
Faz tanto frio aqui, mas parece que a neve e o gelo também nos esqueceram. Os termômetros adormeceram, a calma suicidou-se... Mais uns três ou quatro não resistiram a tentação da existência. A paz é um precipício barulhento, a loucura é uma irmã adotiva sempre sorridente.
Faz tanto frio aqui, e vou ter de ver a cura chegar, as epidemias alastrarem esperanças, sentir o abraço da falsidade, a solidão cochichar-me indecências, a descoberta das coisas velhas.
Calor mentiroso. Hoje o medo me levou pra passear. Fez me ver suas lindas rosas no jardim da saudade, a saudade é filha do medo, a mãe é uma tal de injustiça... São tantos parentes, o mundo a tantos pertencentes, e o frio é maior que isso tudo. A confusão dilata a perder mais temperatura.
Faz tanto frio aqui, e a cura não chegou, as epidemias mataram silenciosas, os abraços tinham punhais invés de mãos, a solidão conversa-me cara-a-cara.
Calor mentiroso, onde há escuridão ainda é o frio quem manda!. Não pra sentir pena, não pra murmurarem piedades. É pra ter ação, aço, são, ação.
Faz tanto frio aqui, e ascensão é não render-se ao tremor, glória é aprender a não se mexer durante as explosões... E faz assim brotar uma gota de suor em meio a este cálido vendaval.
Agora só resta a fumaça desenhando sobreviventes, dizem que já passou, mas ainda faz tanto frio, tanto, tanto. O vento é de congelar, muito, muito. É inacreditável o frio que faz aqui, sempre, sempre!
Douglas Tedesco – 20.08.2008