AMOR MORTO
Morto, de novo, o amor. Pelas mesmas palavras e mãos. Com a mesma impiedade da primeira e da segunda vezes. A morte unilateral. Feita dela por ela mesma, enquanto o sonho cavoucava as promessas. O olhar frio. Diferente do de manhã, quando a boca e o riso ensinavam a delícia das ternuras. Não houve tempo para reação. Nem mesmo uma chegou a ser esboçada. O escárnio, a dor lapidada, o desejo incinerado. Depois, num único golpe, o amor esparramado no campo seco onde antes as margaridas pousavam nos pés dos amantes.
O corpo doeu inteiro, mas a alma, esta dama indolente, sequer teve tempo de assimilar a dor. Feita em pedaços, como um espelho. Irreparável. Espalhada, em cacos, por todos os espaços deixados vazios. E foram tantos. O sono não veio para disfarçar a mágoa. Não era sonho. O amor é que era morto. Ele todo. Em todo o seu esplendor de vida e vontade de viver. O amante, que desferiu o golpe, fechou os olhos na rede. Parecia uma criança dormindo. E o amor morto, ainda vagando na sala e teimando em sair dali, olhava o semblante do amado e, mesmo assassinado outra vez, só via o anjo que amava. Que amava.
Quando a noite se esticou pela casa e a lágrima molhou a face da alma, a amada se desfez. Não tinha mais nada dentro de si. O coração, brutalmente arrancado e errante, pulsava em semitom. Cavaleiro enlouquecido das quimeras, travava com as próprias fantasias o diálogo com sabor de enterro e perda. O amor morto ficou ali, adormecido em sua própria insensatez, olhando o anjo que não era anjo ou que talvez fosse, mas se negasse a ser. Sozinho e esquecido, não fez as malas nem os arranjos das flores mortuárias. Indigente, o amor morto foi jogado na cova rasa do terreno seco das margaridas roubadas.
Rouco, quase afônico, ensaiou o nome do amado. Ouviu um grito retumbante e deu para trás. Queria, do seu assassino, a mágica do tempo de volta. Não teve. Deixou, então, a casa e olhou cada olhar com o qual cruzou na rua. Quantos eram os amores mortos? Quantos os que matavam o amor? Não sabia. Não soube avaliar nem perceber neste jogo de íris perdidas a verdadeira face de quem ama e de quem mata. Tomou, então, um resto de sol nos braços e evadiu.
Salvador, 2000
Morto, de novo, o amor. Pelas mesmas palavras e mãos. Com a mesma impiedade da primeira e da segunda vezes. A morte unilateral. Feita dela por ela mesma, enquanto o sonho cavoucava as promessas. O olhar frio. Diferente do de manhã, quando a boca e o riso ensinavam a delícia das ternuras. Não houve tempo para reação. Nem mesmo uma chegou a ser esboçada. O escárnio, a dor lapidada, o desejo incinerado. Depois, num único golpe, o amor esparramado no campo seco onde antes as margaridas pousavam nos pés dos amantes.
O corpo doeu inteiro, mas a alma, esta dama indolente, sequer teve tempo de assimilar a dor. Feita em pedaços, como um espelho. Irreparável. Espalhada, em cacos, por todos os espaços deixados vazios. E foram tantos. O sono não veio para disfarçar a mágoa. Não era sonho. O amor é que era morto. Ele todo. Em todo o seu esplendor de vida e vontade de viver. O amante, que desferiu o golpe, fechou os olhos na rede. Parecia uma criança dormindo. E o amor morto, ainda vagando na sala e teimando em sair dali, olhava o semblante do amado e, mesmo assassinado outra vez, só via o anjo que amava. Que amava.
Quando a noite se esticou pela casa e a lágrima molhou a face da alma, a amada se desfez. Não tinha mais nada dentro de si. O coração, brutalmente arrancado e errante, pulsava em semitom. Cavaleiro enlouquecido das quimeras, travava com as próprias fantasias o diálogo com sabor de enterro e perda. O amor morto ficou ali, adormecido em sua própria insensatez, olhando o anjo que não era anjo ou que talvez fosse, mas se negasse a ser. Sozinho e esquecido, não fez as malas nem os arranjos das flores mortuárias. Indigente, o amor morto foi jogado na cova rasa do terreno seco das margaridas roubadas.
Rouco, quase afônico, ensaiou o nome do amado. Ouviu um grito retumbante e deu para trás. Queria, do seu assassino, a mágica do tempo de volta. Não teve. Deixou, então, a casa e olhou cada olhar com o qual cruzou na rua. Quantos eram os amores mortos? Quantos os que matavam o amor? Não sabia. Não soube avaliar nem perceber neste jogo de íris perdidas a verdadeira face de quem ama e de quem mata. Tomou, então, um resto de sol nos braços e evadiu.
Salvador, 2000