[Loucura Trivial]
[Comida — só se for seca, bem seca mesmo!]
Pela manhã, antes de a névoa fria ser rasgada pelo sol, lá ia eu, pés no chão batido, alimentar o porco solitário em seu chiqueiro de tábuas. Eu despejava no cocho de madeira o balde de lavagem caldeada, borbulhante da fermentação, punha o meu pé direito sobre a tábua mais baixa da cerca, e observava, enojado, o porco comer o seu manjar!
Eu ouvia o rápido chlec-chlec da sua queixada batendo enquanto apreendia e devorava o alimento; cascas, talos de couves, restos de repolho cozido, sobras de arroz e feijão, nacos de gorduras — um nojo só! Eu observava o caldo viscoso escorrer-lhe da mandíbula inferior, e vazar nas paredes do cocho de madeira.
Tempos depois, longe dali, enquanto eu comia, a minha tia exercitava um massacre: pegava um concha e colocava no meu prato, sem esperar o meu consentimento, "um caldinho para você não comer essa comida seca!" Para continuar a comer, eu parava... esperava ela se voltar, e comia apenas o alimento que conseguia salvar da inundação de caldo.
Até hoje, eu não sou capaz de dizer qual dessas duas lembranças me leva a reagir até violentamente se alguém colocar caldo no meu prato, ou até mesmo me servir uma comida "molhada"! Prefiro farinha de mandioca seca, bem seca — daquela aromática, lá de Minas, Goiás —, e misturada com carne seca e pimenta...
Imagine-se: a pessoa ouvir um grito, ou até mesmo levar um tranco no braço, só por colocar caldo na minha comida seca, ou então, me servir comida encharcada! Ainda bem que consegui controlar os piores impulsos, não matei ninguém por causa disto, e não gastei dinheiro nem com análise, nem com remédios, só tem me custado mesmo esse trabalho de escrever!
Ah... tantos são os loucos que aparecem neste mundo, tantos! E tantos – por que tantos?! — os mundos que me habitam!
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[Penas do Desterro, 29 de julho de 2008]