Ibirapuera 

Eu vi o menino correndo descalço,
com os pés limpos de terra,
levantando poeira das folhas secas,
do chão de outono.
Eu vi a menina ajoelhada na grama seca,
na beira do lago, com a mão
estendida para os gansos, que a rodeavam,
comerem uma a uma
as pipocas na sua mão.
Eu a vi organizando a vida.
Eu vi a mulher gorda vendendo
coco-de-colher gelado,
enquanto comia sua marmita fria.
Eu vi a patroa soberba, branca, vestida de negro
segurando a coleira do seu cão
enquanto, do lado, a empregada negra, 
vestida de branco,
empurrava o carrinho com o bebê que dormia.
Eu vi abutres e passarinhos.
Eu vi o João fazendo sua casinha de barro.
Eu vi a vida.
Sentei-me na sombra da Falsa Murta
e absorvi os últimos perfumes
das últimas flores do último outono.
Eu vivi de dia os aromas de lavanda
das Damas da Noite.
Eu vi um falso beato de Bíblia na mão,
pregando nada a um homem ninguém.
Falsa estátua ímpia.
Eu senti a vida.
Eu senti sua falta.
Como sempre.
Eu vi a sombra da nuvem passar
por entre as sombras
das árvores quase sem folhas.
É inverno...
Eu vi o tempo.
Eu vi o sol indo visitar outros povos,
alegrar outros poetas.
Eu senti o frio.
Eu senti melancolia.
Eu senti sua falta.
Como sempre.
 

Ajude a salvar a Falsa Murta
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 26/07/2008
Reeditado em 26/07/2008
Código do texto: T1098380
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.