Moça
Na morgue sombria, aguardava, sombrio
Bernardo e seu traje ensangüentado
Pelo corpo que vinha, sem pulso e frio
Imóvel, de olhos fechados
Chegado o corpo, feminino, esguio
E a alva pele de manchas maculada
Fez Bernardo sentir um cruel calafrio
E no peito uma dolorosa fisgada
Entortou-se para trás, afônico e tonto
E apoiou-se em um móvel qualquer
Plantou em seu rosto uma expressão de espanto
Ao notar que conhecia a mulher
Procurou, ansioso por alguma identificação
Onde estaria marcada?
Não havia seu nome, ou qualquer marcação,
Ela apenas morrera, e mais nada
O cadáver passara por um tratamento anterior
Estando limpo com muito asseio
Tornando visível como um esplendor
Um grande orifício em seu seio
Não teve coragem de começar a examiná-la
Antes de conhecer sua identidade
Abriu com os dedos seus olhos, cor de opala
E viu em seu reflexo a verdade
A princípio, lembrou-se vagamente
Do tempo que ainda estudava
E então, em sua mente de repente
Surgiu a jovem que tanto amava
Os cabelos de cachos caindo
Por sobre os ombros tão finos
A boca rosada sorrindo
Encantando a todos os meninos
Lembrou-se dos dias imundos
Inteiros passados nos cantos
Olhando-a com seus olhos profundos
Agora desfeitos em prantos
Lembrou-se de como chorava
E cantava seu amor postergado
E de como se magoava
Por tão longamente ter-la amado
Arrependeu-se de não ter-la contado
Houvera a oportunidade uma vez
E chorou seu amor, mal amado:
Agora já era morta Inês.