PERPETUANDO A ESPÉCIE
Esses casais
ocasionais
que entrechocam solidão
nos motéis,
ou nos bordéis,
buscando a paz.
Esses casais,
que por causas sociais,
exibem em público
suas caricatas felicidades
artificiais.
Esses casais
que se atraem na quietude das noites,
que se distraem na imensidão das horas,
que se contraem nos limites dos leitos,
que se traem em atos e pensamentos
e que se retraem como autodefesa...
Esses casais,
ditos normais,
que se amam,
que se aproximam,
que se chamam,
que se estimam,
que se aclamam,
que se mimam,
que se querem e se ferem,
que se magoam e se perdoam,
que se apenam e se comovem,
que se condenam e se absolvem...
Esses casais
considerados naturais
que se agradam e se agridem,
que se atropelam e se socorrem,
que se afagam e se afogam,
que se animam e se anulam,
que se justificam e se mistificam...
Esses casais
vistos como racionais
que se escolhem e se acolhem,
que se recolhem e se tolhem,
que se provam e se privam,
que se aprovam e se reprovam,
que se castigam e se consolam,
que se fustigam e se renovam,
que se amolam e se embolam,
que se abraçam e se devassam...
Esses casais
tidos como especiais
que se saúdam, que se ajudam,
que se aquecem, que se esquecem,
que se procuram, que se negam,
que se abandonam, que se carregam,
que se doam, que se amaldiçoam...
Esses casais
às vezes inconstantes
que se maltratam, que se confortam,
que se ofendem, que se comportam,
que se sublimam, que se subestimam,
que se acariciam, que se auxiliam,
que se adoram, que se adornam,
que se destratam, que se idolatram...
Esses casais
perseverantes
que se acusam, que se justificam,
que se suportam, que se desejam,
que se odeiam, que se beijam,
que se consomem, que se amparam,
que se aplicam, que se aplacam,
que silenciam, que confabulam,
que se calam, que se maculam...
Esses casais
amantes ardentes
que se somam, que se domam,
que se diminuem, que se prostituem,
que se multiplicam, que se dignificam,
que se dividem, que se corrigem,
que divergem, que se dirigem,
que se atrelam, que se modelam...
Esses casais
banais
que abdicam,
que oram e fazem promessas,
que rogam pragas e suplicam,
que choram, que anseiam,
que reclamam, que receiam,
que arengam, que implicam,
que caminham juntos, apesar de tudo
e que arrastam o fardo cotidiano
chamado vida comum
foram os nossos avós,
são os nossos pais,
os nossos amigos,
somos nós
nesse mundo de festa,
nesse vale de ais
perpetuando a espécie...
Belém – Pará, 17 de fevereiro de 1983