Arapuca

Lembrei de uma época muito boa em minha vida...
Na cozinha, um fogão à lenha... A demonstrar que o fogo esquenta não apenas a água na chaleira... Toalha bordada... Mesa bem posta... Tudo simples, mas com hora marcada...
Uma vida em busca do sol... Lagartear durante os dias mais frios... Pular o rio, cair na água, nos dias mais quentes...
Aprendi muito cedo a fazer armadilha pra passarinho...  Sempre brinquei com meninos... Depois de amarrar o barbante, esperar, esperar... E o bichinho, movido por uma vontade enorme de beliscar as migalhas, entrava!... Eram pulos, eram gritos de felicidade... Eu quietinha a vigiar os movimentos dos meninos... Rasteira feito cobra, levantava a arapuca e deixava o pássaro voar... Levava  muitos cascudos... Mas, feliz da vida ficava...
A casa era de piso de madeira corrida, muito encerada... Lembro-me de usar o piso como espelho... Nunca fui uma adepta disso... De espelhos... Levei um susto, estes dias... Pensei que estivesse com outra cara!! Mas, na época eu olhava minhas mãos... Gostava de transformá-las em pássaros... Coelhos... e outros bichos, mãos postas sobre os dedos.
Recuar no balanço, até o limite da corda... Depois voar entre as idas e voltas...
Fiz tapetes de lã em fio... Fiz bordados, em lençóis...  Fiz enredo com os dedos, nos cabelos... Fiz trama, em minhas vontades... Enfim, teci discursos e falas, já nem percebo quantos rastros de tecido eu deixei lasso...
Hoje, uma vontade latente, entrou em minha janela... Busquei explicação e nada encontrei... O vento que rolava leve em meus cabelos, embaraçou-me o juízo... Deixou-me um respirar alerta... Deixou-me o coração em pulos...
Saudades de um querer tranqüilo... Onde o frio não brota... Local onde a vontade não apaga...
A razão fez-se brisa mansa... Lembrei-me dos risos... Da manteiga batida... Lembrei-me mulher... Lembrei-me criança.
Por hora, lembrei-me disso...








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