Cidade Anónima
Ouço a música do dia (indelével) depois do nevoeiro. Os
sons da cidade sentem-se numa alegria ténue ao dobrar as
esquinas de ruas repetitivas ou desoladas. Como os sinais
anónimos de quem anda com olhos trémulos sob as nuvens.
E. E. Sob as nuvens. O teu rosto é branco: análogo à
película aquosa que cobre os edifícios. Com o fim do Verão
tudo se torna repentino, o vento assola o espaço e o frio
penetra-nos rente aos ossos. Divirto-me a formular a mim
próprio questões de solução desconhecida - num gozo
circular que conhece as regras de uma argumentação impossível.
Confesso as palavras e não me absolvo. O curioso
é que a confissão é dirigida ao futuro, ao tempo que há-de
vir, o tempo que nos devora até à exaustão e nos deixa
felizes e sem perdão. Passo pelas mesmas avenidas, o céu
não desperta de um sono suave, as imagens correm atrás de
sombras espelhadas. Passo pelas avenidas inventariando as
marcas de um itinerário com destino. Ir pelo prazer de ir, o
devir eterno e difuso. E aqueço o corpo, ou o coração, os
dedos das mãos verdadeiros ou contingentes. O teu rosto é
branco aqui neste lugar ausente, mutável, aqui onde arrumas
as palavras navegantes, onde ausente ilumino o corpo:
a meio de um dia eventual sob as nuvens. Atrás de sombras
espelhadas. A meio do dia também eu não desperto de um
sono perplexo, bebo a inteligibilidade num mundo onde a
existência é multiplicável. Divirto-me a poisar as impressões
digitais sobre a poeira, a dobrar as esquinas de ruas
repetitivas e desoladas.