FLORESTA II ( diálogo)
- Me empresta rápido algum pensamento teu.
- Precisas sempre de certezas, não é?
- Ora! Não estás sempre certo do que pensas? Custa emprestar-me, Rubem , um pensamento teu?
- Não se trata de mim, mas do teu pensamento.
- Adoras solapar os planos sólidos, a começar por um pronome e a terminar...
- Vamos, Ana. Conclui.
- Fugiu-me a conclusão.
- Aí está. Não é preciso fechar tudo.
- Ora! Já não sei fechar coisa nenhuma.
- Tomei emprestado o que me pediste.
- O que é um pronome? Pedi um pensamento.
- Não te faças de inocente, meu amor. Quem não pensa, não trama armadilhas de linguagem.
- Rubem, meu querido: acreditas então que eu pense?
- Isso importa?
- Isso o quê?
- Se não pensas, o simulas muito bem.
- Ah! Queria acreditar...
- No teu simulacro?
- Não. No meu pensamento.
- Sabes o que eu acho?
- Fala.
- Te levas demais a sério.
- Eu sei.
- Então, pára.
- Não me deixas parar.
- Eu?
- Sim. Tu.
- Mas eu nunca me levo a sério.
- No entanto, falas tanto isso!
- E daí?
- Falar tanto isso não é levar-se demasiado a sério?
- Tens razão. Ainda chegarei ao silêncio.
- À verdade?
- Que obsessão!
- À verdade do silêncio?
- Ao meu silêncio pessoal. Sem pretensão de universalidade.
- Pode-se mesmo atingir tal silêncio?
- Dentro do teu sistema lógico, não.
- Sei.Pretendes chegar onde os que chegaram não falam.
- Exatamente.
- Crês mesmo nessa verdade?
- De novo. Não sabes respirar sem invocar essa deusa?
- Tens razão.
- Não me interessa o teu rótulo. Concordo quando dizes: chegar onde os que chegaram não falam.
- Te sentes mais perto disso?
- Talvez.
- Não tens certeza?
- Nunca se sabe o ponto em que se está. Continuo caminhando.
- Achas que caminho também?
- Como queres que eu saiba?
- É, não tens como saber.
- Por que não te concentras mais em ti mesma, ao invés de te preocupares tanto com os meus próprios processos?
- Mais uma vez tens razão.
- Afinal,Ana, você quer ou não tomar café no Floresta?
- Vamos, Rubem. Vamos tomar nossos cafés no Floresta.