Laços etéreos
Prólogo:
O suplício ou tormento violento que seria infligido a criatura de cabelos longos, tez acetinada, morena, olhos suaves, corpo frágil e voz aflautada, estava prestes a ser iniciado.
A multidão histérica aguardava o desfecho da tortura.
O assassínio, que deu brado, pelo mistério que revestiu,
fazia da ocasião o inusitado daquele instante tenebroso.
Isso aconteceu no ano de 1647, na efervescência caliginosa
do Tribunal da Santa Inquisição! Eu seria o responsável pelo
voto de qualidade (voto de Minerva, voto de desempate).
O gládio que me foi concedido... usei-o para livrá-la da fogueira.
Voltamos por caminhos diferentes, após nos despedirmos às margens
de um pequeno lago de águas serenas, mornas; envolto por encantador bosque ajardinado, tentando, pela graça divina, um reencontro esperado.
Os espíritos dos amantes, outrora, agora, e como dantes, em sonho agradável, encontram-se, na madrugada calma, unindo anseios ternos e enlevados.
Olhando o céu, procurando estrelas, no prazer ditoso de vê-las, tentando romper os liames que os prendem à vida normal, buscando, dentro de suas lembranças, faltas veniais, descuidos, coisas sem importância, para arquitetar com essas insignificâncias uma incoerente, dramática, história real.
São humanas e sonhadoras criaturas presas à Terra, como provação e tortura, que vislumbram luzes cadentes em tudo,resignadas com infortúnios, vicissitudes, desconfortos... desgraças outras como flagelo necessário à ascensão ou elevação espiritual.
Imaginam astros nascentes. Contudo, é o eflúvio amoroso, que se distribui generoso por suas auras ebúrneas, esplendorosas, que as faz sublimes, semideuses em luz terna.
Desse amor eternizado, profundo e idealizado, nascido deste entrelaço idílico, do afetuoso e terno abraço, de duas almas unidas e amantes,
etereamente felizes e sonhadoras, surge a seiva doce de suas sobrevidas para alimentá-las na eternidade jacente.