Numa Cidade Revisitada

Numa cidade revisitada.

A descrição perfeita de uma história sem vítimas. Sempre

haveria de falar da tarde em que foi a angústia a conduzir o

destino que não defendo. Da boca saíam palavras mais limpas

que o ar inacessível. Tinham ficado (ou resistido) fragmentos

de linguagem:acaricia o meu peito em transe esvaindo

o perfume dos teus raios violáceos, talvez tu sejas a

rapariga debruçada sobre a ponte - aquela paixão vertida da

claridade inteira. Nunca há tempo para o esquecimento,

tudo se grava inconscientemente numa memória que nos

levará ao fim. Pensava numa confissão solene - uma confissão

que tornasse o amor sério -, enquanto íamos ouvir o

mar (como os Solitários de Munch) de ombros preenchidos

pela serena voragem do poente. Sabíamos como se constroem

os instrumentos breves e insuspeitos do quotidiano.

Sabíamos que não havia muito mais - muito mais - sobre a

teoria das convicções para aprender. Sabíamos que do

outro lado das avenidas imobiliárias alguém esperava um

táxi (verde) para a morte, alguém regressa do fundo do seu

dia com o esgar próprio dos momentos fúnebres. E nos

edifícios as persianas escondem esqueletos vivos sentados

nas cadeiras que os suportam. Uma cabeleira doutrada desce

até mim, inebriante. Inebriante. Fragmentos de uma

linguagem que me paralisa os lábios: és ainda tu (vestida de

um tom enlanguescido) com os dedos ancorados no meu

corpo - em transe. Depois as sombras complacentes arrastam-

se pelos labrintos da tarde. Uma confissão solene para

um desino em que não acredito - pensava. Depois.