Último Andamento
D’ où viennent mes sommeils et mes
moindres mouvements?
Rimbaud
Último Andamento.
Caminhar. Andar perdido. Anestesiado nas intenções,
como nas experiências de Wilder Penfield. Os membros
movimentam-se, mãos e pés, sem consciência, sem vontade
aparente. Durante horas. Ouço o nome das flores quando
atravesso as alamedas e recorro a uma bússola para me
orientar no espaço nocturno de vozes indolentes. Durante
horas. Nuvens abrem crateras no universo. O mundo corre,
passa, transforma-se perante o meu corpo (ou o que há do
meu corpo). Assistir ao espectáculo como um observador
exterior, como um deus ausente que tudo sabe mas que se
aliena. Talvez este seja o estádio da morte, penso ( e escrevo
com as unhas afiadas na pele). A instância suprema da
morte, a instância de sensações digitais, de uma pele transparente
envolta em lírios. Mas esta morte cansa, há uma
dor física inegável, uma dor de agulhas na garganta. Paro, já
não caminho. Ulmeiros crescem em hangares de fumo (asténico).
Ouço o nome das aves no invólucro da paisagem.
Teria ainda uma longa estrada para percorrer: Os candeeiros
acendem-se lentamente, projectam-me em furtivas
sombras avermelhadas. O nome dos mortos nos jardins.
Grito à realidade, escarro para os muros entre áleas. Jardins
adormecidos no limiar da morte. Ficam marcas de dedos
no que toco. Cartazes anunciam viagens turísticas à eternidade.
Vou de novo pela estrada fora evitando os carros.
(A chuva contínua na morada solene do universo, vultos
distantes, distorcidos - talvez felizes!).