Carta à Uma Menina Quase Mulher

Há quase quinze anos você veio.

Veio de mim mas não para mim.

Sabia que um dia o mundo a arrebataria e era minha a obrigação de prepará-la para ele. Um mundo não tão cor-de-rosa como você o via, nem tão limitado quanto sua capacidade de apenas ser, lhe permitia enxergá-lo. Um mundo as vezes hostil, outras cruel, esporadicamente gentil, mas com certeza, em momento algum, receptivo e tolerante como você o sentiu ao chegar, porque os adultos o vestiram de egoísmo e competitividade.

Eram meus o martelo e o cinzel, doía-me saber que deveria usá-los para lapidar seu caráter, facetar sua personalidade, processo quase

nunca indolor.

Cabia a mim desiludi-la,sem contudo tirar-lhe o sonho, porque eu o faria com amor e a vida... nem tanto!

Então você já não poderia apenas ser e isto compungia-me a alma.

Lembro-me de vê-la cair, nos idos tempos de seus primeiros passos, contendo-me para não correr a erguê-la, limitando-me a abrir os braços para recebê-la e secar suas lágrimas, porque levantar-se é um aprendizado que necessariamente deve iniciar-se juntamente com o andar.

Sabia que fatalmente chegaria o dia de vê-la experimentar a paixão e os apelos sexuais sem a suficiente maturidade para lidar com eles sem ferir-se profundamente, e novamente era eu a impor limites, a frear seus impulsos juvenis, mesmo sabendo que ainda não poderia

contar com a sua compreensão e que minhas posições ortodoxas seriam questionadas. Sei que muitas vezes, o meu não, a fez chorar, mas saiba, doeram mais em mim que em você. Teria que iniciá-la na difícil aprendizagem de lidar com os próprios sentimentos e a manter o auto-controle, sem todavia, sufocá-la ou impedi-la de ter suas próprias experiências. Muitas vezes tentei mostrar que a verdadeira felicidade tão só de você depende, devendo buscá-la na fagulha divina que habita seu interior, brincando de, "conversar com seu coração", ocasiões em que invariavelmente vi o sorriso tomar a seus lábios. .

Não posso impedi-la de sofrer suas próprias decepções, de chorar seus desenganos, porque isto implicaria em roubar sua individualidade

e privá-la de suas próprias vitórias, mas posso chorar com você, se preciso, da mesma forma que me é possível vivenciar suas alegrias.

Agora, você vai entrar oficialmente no mundo adulto, mas nos muitos momentos em que a menina superar a mulher, eu continuarei aqui

com os braços abertos para recebê-la, as mãos prontas para acarinhá-la, os ouvidos atentos para escutá-la, e quem sabe, juntas superarmos

outras dificuldades,afugentarmos alguma tristeza. Sobretudo, quero que você saiba que é a filha que eu queria ter, assim,

exatamente como você é.

Tenha cuidado, procure ser feliz!!!

Com amor,

eu...sua mãe.

Doris Werner
Enviado por Doris Werner em 07/07/2008
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