QUASE MEMÓRIAS
“ ...vi coisas além do que poderia imaginar.
E quando eu tiver morrido,
Tudo isso ficará perdido,
Como lágrimas na chuva...”
( cito de memória, do filme Blade Runner, com Harrison Ford e Rutger Hauer )
Desta vez, numa intensidade quase sofrida,
sonhei sonhos, não a vida.
Corri as mãos por dentro dos meus ocos
apalpando memórias e pensamentos,
num frenesi tátil que buscava detalhes
escapados ao meu olhar para sempre suspeito.
Procurei sopesar-me a isenção, num processo inútil
que todas as lembranças traíam,
ao transformarem-se em carícias.
E não consegui mais regressar a mim,
de tão derramado por um quotidiano confuso
voando em piloto automático.
Fiquei por lá, não sei como,
algo perdido, por entre todas essas memórias
onde encontrei doçuras e pequenos prazeres únicos,
tão lindos, e tão singelos,
quais caminhos atapetados por uma estranha magia
num conjurado rumo a um qualquer ponto,
fora do tempo e do mundo,
onde não me cheguei a ver.
Se voltasse, se pudesse voltar totalmente,
reencontraria apenas o conforto dos dias,
e o carinho tranquilo da estrada escolhida,
do regresso escolhido além dos caminhos feitos,
e as imagens fieis, irretocáveis,
que me devolveriam o olhar agudo
comodamente instaladas em fotos de tons sépia.
( Mas sem aquela proteção do espelho cúmplice,
que só embaçado revela runas antigas
nele escritas em sutis atos de amor.
Sem os cantos baixos dos encantamentos,
lentamente fechando feridas profundas
e escondendo cicatrizes de batalhas antigas ).
Fiquei por lá.
Nessa outra história escrita com os detalhes
desses outros passos, de um outro eu,
junto das quatro árvores de pedra,
nos quatro pontos cardeais das minhas juras,
onde assinei com barro a palma da minha mão,
titulando a minha vontade
e o meu voto.
E não regressei.
Não mudei nada.
E, uma eternidade depois,
é isto que ainda sou...
Julho 2008 + 2024