Saxátil
No instante em que saltei no mundo esperava-me um anjo azíago para amortecer a queda. E fui logo garimpar poesia onde feijão e arroz são urgentes e a fome nunca mais deixou de perambular sobre a paisagem dos meus dias.
A dor que plantaram em minhas vísceras é distinta à de meus músculos e hoje ninguém me reconhece sem a máscara. Voraz é o tempo que me cavalga a face inquieta. E eu sou apenas uma besta delirando na pura insignificância...
É muita intempérie para tão só indigente: o engraçado é que aprendi cedo a rir dos meus enganos, mas o meu maior adversário sou eu, de pés descalços esfolando os dedos por uma estrada obtusa, onde a febre me antecipa e persiste... Estúpido, não reconheço um caminho sólido para meus cascos.
Em um espelho estilhaçado, meu rosto mutila-se para revelar-me entre os cacos. A visão de mim é um assombro e já foi vista incandescendo nos olhos de um deus tempestuoso. Todavia firmo-me como um possesso na rebelião contra o conformismo. Como Nietzsche também matei um deus e confesso o crime sem nenhum pudor. Obsceno Ele e fértil em me desumanizar: "decifro-te ou me devoras". Desde então sustento o enigma o espero-o na esquina flertando com o suicídio.
Mas não se enganem com o que há de trágico em mim, sou apenas rigoroso no cultivo das feridas. Colho o líquido das chagas em uma taça ardente somente porque quero potencializar o grito e o silêncio no mesmo ato.
Porque me querem manso nunca desistirei de ser plurívocamente áspero. E não tenho pressa nos desdobramentos. Como aquele, o da Triste Figura, até posso ser sonâmbulo e longínio de pensamentos, mas não vim aqui procurar analgésico para tanta vertigem.
Só me interessam os volumes mais espessos: minhas memórias de encruzilhadas, as crônicas completa de meus rios. O mais denso dicionário de perplexidades e uma semântica sobre os disparates. Leitura ideal para quem se abriga (insone) entre as pedras.