Pássaros

PÁSSAROS

Brisa de abril

como flechas de sombras

os pássaros voltam

água dos pássaros. Frase vinda de outro lugar ou tempo, palavras cujo eco chega sem antes nem depois. Palavras sem destino à procura de suas origens? Às vezes Suécia, Noruega ou Dinamarca, às vezes nada. E cada palavra é um fato: palavra "pássaro" ou "nós". Anoto a frase quando possível, ou as circunstâncias em que aparece. Em algumas ocasiões - nem sempre: o vôo é rápido -, ponto de partida para frases impensadas se aninhando em torno dela, ou prolongando seu vôo, mesmo quando em direção oposta: cada pássaro é um universo de plumas e cores e vôos e gritos alheios ao virtual ouvinte, livres por tanto. Talvez a frase tenha algum sentido oculto na memória ou na tensão dos nervos, significado a ser desvendado pelo desenrolar do texto que origina. Percebo o vôo como a porta de um labirinto imaginário e cuja construção só poderá ter a finalidade de justificar a porta. Talvez a migração destas palavras seja apenas um pretexto para o vôo solitário (meu e talvez teu), ou este seja uma forma de nos fazer ver o espaço circundante: sombra na página em branco e pote d'água para pássaros mas sem pássaros `vista, porém sempre possíveis: palavras em vôo dispersas na superfície do papel: grafismos sem outra função que a de existirem, como quem as anota e/ou lê rapidamente, antes de fugirem: pássaro nunca imóvel. Depois do eco, a contemplação e a procura de outro significado:outras palavras?, pois o vôo não fica gravado no espaço. E se fica, o quê desenha? Palavras manuscritas: garras na neve do pensamento: lago virgem antes do pouso. Adejar de palavras: sons, grafismos, conceitos relativos: vôos incompletos e ao mesmo tempo auto-suficientes. Por isso: deixar agora que o texto seja um vôo anárquico apenas para nós por uma vez deixá-lo debandar sobre a rigidez geométrica do plano e ainda que só encontre sentido entre nossos iguais que seu vôo adquira forma no barro de nossos pensamentos sabendo que seu pouso é uma escolha e não a razão do seu ser-pássaro sempre aquém e/ou além da mirada à margem do silêncio inapreensível forma em branco que não se diz e que talvez voa rasante sobre a tua e a minha pele