MEDO DE VIVER
Medo de viver
No momento em que escrevo este texto findam-se os últimos instantes de um belo dia que eu jamais terei a oportunidade de revivê-lo. E assim, junto com ele , morre um pedaço de mim que talvez eu nunca chegue a conhecer porque a vida é cheia dessas coisas que insistimos em não enxergar embora sejam dadas gratuitamente como as flores e o por- do- sol.
Mas a mesma noite que sepulta o passado recente traz consigo a semente de um novo dia o qual,não por acaso,chamamos presente pois a vida é repleta desses paradoxos extraordinários de maneira que viver e morrer são indissociáveis a ponto de um ser a confirmação factual do outro.
Logo, é triste constatar que estou morrendo!E hoje, ao completar mais um aniversário, é quando chego à conclusão que este é o primeiro dos últimos dias de minha existência.
Devo dizer então que a vida é uma sucessão de pequenas mortes as quais se desenvolvem em direção ao ato final cujo enredo escrevemos ao longo de nossos anos e cujo desfecho, via de regra ,é o retrato tragicômico da fragilidade humana...quando,velhos e frágeis,a arrogância e a petulância dão lugar ao medo e à sensação de pequenez,o narcisismo se converte em vergonha de nossa fealdade...e o corpo já não responde aos impulsos cegos dos desejos.
Mas, se o hoje é um presente a vida é um milagre e a morte é uma oportunidade para celebrá-la a fim de reescrevermos nossa história de maneira que no palco da vida não sejamos coadjuvantes ridículos de forma que nossa existência seja mais que uma comédia grotesca e sem final feliz.
Aprendemos na escola a história dos grandes homens e dos grandes impérios mas não paramos pra refletir que por trás dos grandes exércitos e do poder existiam pessoas como nós,que tiveram de fazer pequenas escolhas,que decerto choravam...sofreram por amor...e que foram tudo,.tudo...menos deuses inabaláveis e infalíveis.
Shakespeare foi mais útil à humanidade que Alexandre Magno ou George Bush da mesma forma que podemos ser memoráveis sem que sejamos ídolos do rock ou do futebol...e para tanto basta sermos filhos amáveis,pais dedicados...e amigos sinceros
Demorei muito pra perceber que a felicidade não está em rebuscadas e ininteligíveis teorias filosóficas e aprendi que não posso exigir que me amem se eu mesmo não me amar antes. E hoje posso afirmar que as respostas são de uma simplicidade indizível, basta despirmo-nos da arrogância e da vaidade.
A vida é curta demais e quando você se dá conta já passou dos 16. E quando você perceber que sexo não é tudo você deixou de viver um grande amor e,de repente, sua filha está grávida e seu filho usando drogas então você vomita insultos a deus ou maldiz o sistema mas não admite ser o protagonista de sua própria história.
Acredito que somos senhores de nosso destino e ,como tal ,arquitetos de nossas vidas...a questão que se coloca,portanto,é:O QUE É REALMENTE IMPORTANTE?
A história da humanidade é tecida a partir deste despretensioso questionamento: Adão e Eva,Judas,Hitler,Nixon,Marx,Gandhi,Xerxes,Napoleão...eu e você.Todos temos em comum o simples fato de,em algum momento ou de alguma maneira,fazermos tal questionamento...
A vida é essencialmente de sofrimento e perdas : Perdemos o vínculo físico com a mãe e depois perdemos a juventude.Perdemos uma vaga no vestibular e perdemos o rumo das coisas.Perdemos a razão por amor e perdemos a capacidade de sonhar em meio à realidade brutal.Perdemos os avós, os pais e os amigos e todas as pessoas que amamos ...Perdemos a esperança diante da corrupção e do materialismo.Perdemos tempo...
Porém, se formos sábios,depois de tantas perdas,talvez perdamos o medo:Medo do desconhecido e do conhecido.Medo dos outros e de nós mesmos.Medo de dar um abraço ou de dar um sorriso.Medo de enfrentar os problemas ou de dizer a verdade.Medo de amar ...
Então ,depois de muito perder,talvez perdamos o medo da morte porque perdemos,finalmente, o medo de viver.