A arte de amar a arte
Abriu a porta. Os sinos de outono badalam e choramingam num lamento triste e fúnebre. As luzes vermelhas refletem minúsculas gotas de orvalho. No cais, onde navios atracam sem pressa, garotos maltrapilhos correm atrás de uma bola furada e quase totalmente murcha. As gaivotas sobrevoam e mergulham no mar esverdeado, calmo e gelado. Nessa paisagem de delírio espiritual, ali está ela, olhando para ele, como sempre o fazia. O olhar é como um fio de navalha. Veste um longo vestido rosa claro, como é de costume. Aproxima-se muito devagarinho, medindo seus pensamentos, adivinhando suas palavras. Para diante de seu sorriso e pergunta por que voltara, por que está ali novamente diante de sua porta. O sorriso permanece o mesmo e o olhar continua a lhe esfaquear o coração. Nada diz. Vacila em beijá-la, parece ridículo. Pede para que vá embora. A imagem permanece imóvel, com o mesmo sorriso e o mesmo olhar devastador. Está nervoso. Ergue a voz e ordena para deixá-lo em paz. Tudo em vão. É como falar sozinho, somente as paredes alcançam o tom de sua voz. Desnorteado com a situação, pede desculpas, chora como uma criança, relembrando a infância. Amargurado e perdido na incerteza da realidade, ergue a cabeça com um orgulho que não é seu e relê o nome de Monet, entre os navios ancorados, os garotos maltrapilhos e a linda moça de vestido cor-de-rosa. Afasta-se do quadro, sai e fecha a porta.