Recomeços
A minha melhor parte reparte-se em vontades inacabadas, interrompidas, amontoadas, quase esquecidas. Os meus recomeços, eu reconheço, nunca tem fim. Porque são pedaços de mim que flutuam acima das horas, pairam feito poeira sem peso e brilham quando um facho qualquer de luz entra sem pedir licença pela casa que habito. A casa onde distraio o tempo com gestos imprecisos, disfarçados pela nudez das palavras lentas e repetidas no canto da boca. A minha parte que não distingue o grito é sussurro lenitivo, é sentido de cor e de risco, é de natureza morta que pulsa e por dentro o corpo se agita, é olhar estendido sobre a ressaca de um mar magoado pelo vento. Acenos de luz e sombra pelas paredes que abraçam o corpo dentro do corpo que abraço... habito a casa que respira o ar feito de água e areia, poeiras e penas, gotas de minutos serenos, pequenas contas de um colar partido, corais vazios, reminiscências.
A minha melhor parte é ter paciência, porque reconheço, os meus começos nunca tem fim.