IRONIA

Eu sou dos faz de conta, e faço de conta que sou.E vivo à margem de mim mesmo.Imitando a mim mesmo que não acho nada em mim igual a ninguém.

Eu faço de conta que sei descer escadas tomando cuidado tão cuidadoso com os degraus.

Eu faço de conta que sou belo gargalhando a minha própria fealdade embaçada no espelho.

Eu faço de conta na própria gargalhada que é gargalhada.

Eu faço de conta no próprio desespero, tão natural, que é desespero.

Eu faço de conta que não amo ninguém enquanto acredito num fantasma atrás da cortina.

Eu faço de conta que amo a paz...e não tarda penso em me vingar.

Eu faço de conta que sou gentil enquanto dentro de mim brota um alvoroço de estupidez.

Eu faço de conta que mordo no mesmo tempo que me flagro assoprando.

Eu faço de conta que choro, e por dentro rio de mim mesmo.

Eu faço de conta que sou carente e na verdade aborrece-me às companhias.

Eu faço de conta que me importo e nada me interessa.

Eu faço de conta que desprezo me importando.

Eu faço de conta escondido, exibindo-me.

Eu faço de conta morto, respirando.

Eu faço de conta estar presente, ficando ausente.

Eu faço de conta imitando-me, diferente no faz de conta tão sombrio dentro do real abjeto, e na solidão que de tão obsoleta existe, mas não estar ai...

Faz de conta que faço de conta...

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