VELHOS AMIGOS, NOVOS LAÇOS
De repente abriu-se por dentro uma janela de memórias.
Acuada por tantas solicitações a sua volta, a mente não conseguiu resistir ao desejo vibrante, latente, de viajar sem destino certo, porém sabido, rumo ao turbihão de desejos de reencontrar histórias de pessoas que o passado perigosamente desprendeu como se fossem acessórias.
Foi difícil separar-se de tantas lembranças potentes, marcadas por amores, amizades, dores e desejos de que a vida aberta de repente não se esvaísse irresponsavelmente como se fugisse com pressa por entre os becos de novos desafios e outros laços. A vida, que seria dela agora com um cenário mutante? Nem seu maior esforço fora capaz de abrir novas fronteiras para velhos e conhecidos corações que outrora se entrelaçaram ao seu: amigos, amores, quem sabe? Como foi fácil aceitar o exercício do enlace, referendo voluntário de entrega mútua, num ato de ousadia e coragem, de luta por almas companheiras, porque há que haver muita coragem para se declarar apaixonado – amigos, amores? Quem sabe...
Foram tempos de longas cruzadas internas, silêncios, desertos, embates de si contra si mesma, batalhas duras de travar nem sempre fáceis de vencer, lutar sem tréguas para seguir adiante, se deixar transformar e ser agente de mudanças, ousara tentar, mas nada abria frente ou parecia ser capaz de dar passagem para tantos rostos queridos que se íam distanciando quanto mais os procurava; combate cruel entre querer e poder.
Difícil dizer quanto se passou, um ano, muitos anos, uma era inteira se fosse fazer vontade de combinar com a saudade e a falta que fizeram. De repente se deu conta que uma parte da vida era passado, sem voltas, sem sua presença, num escrito feito à revelia que a manteve à distância, involuntariamente e sem presente comum. E agora assim de repente há um clamor conjunto para que estas almas escrevam novamente a muitas mãos, aquilo que suas duas foram capazes de guardar e cuidar ali dentro do peito, com tanto desvelo e mantido sigilosamente à parte, qual clandestino de cultivado carinho.
A mesma onda que empurra e leva, trás de volta em rebuliço amizades interrompidas e o desejo do reencontro, do reconhecer-se ali onde não estava e sempre esteve, de avistar mais do que os olhos conseguiram enxergar. Há que se fazer outro esforço, mais prazeroso é verdade, de buscar os corações desgarrados, e trazê-los para si como um presente merecido e esperado, do passado que retorna e bate à porta em busca de abrigo, porque somente almas saudosas se identificam e se lançam no resgate deste vazio deixado pelo medo que a juventude aventureira é capaz de gerar.
Quantos se lançam rumo ao nada de emoções, alimentados pela falta de experiências de amor, que lhe suportem com lastros resistentes para quando a paixão se esvair? Felizmente, soube esperar ...
Ganhos que chegam com perdas, profundas, indesejadas, nada parece combinar com o que fora escrito, até aqui, até agora, mas o coração carece de um aconchego deixado bem lá atrás, quando era bom estar por perto quando era tudo ser feliz. O tempo urge reparações sensatas, para que novas passagens deste conto sejam escritas com mais alegria e menos lacunas, no peito, na vida, e até mesmo nas dores que nem conseguimos reconhecer como válidas quando solitárias, mas que se instalam desavergonhadamente e fazem chorar.
Aos poucos chegam se achegam, pedindo licença e anunciando a permuta temporal de traços para mesmas identidades, apresentam-se cuidadosos como se fora possível esquecer o havido e empenham orgulhosos ou vacilantes o que conseguiram ser. Amigos chegando, amigos partindo, de onde estiverem, que venham para bem perto, com tudo que arrebanharam até aqui, pois há que ser feito um balanço, no coração e na alma para que seja aberta a temporada de amor que tanto fez falta a quantos dele abriram mão, na busca insana por alguma sanidade.
...
Eis-me e salve! Sejam bem vindos, todos, que o coração se estica e clama por esse aconchego! Amizades sinceras são casos de amor eterno, às quais nos permitimos viver de assalto e para as quais não há tempo ou lugar predestinado, ou limites que as possam controlar. São como o fogo atiçado que toma conta e envolve aquecendo a existência e sinalizando amparo; ali naqueles braços e ombros todos se deixam perder e encaixar, numa entrega necessária e poderosa, que do peito sequestram as dores e entre lágrimas e abraços fraternos, longos, simples, singelos, derrotam a indiferença de corações protegidos, blindados e partidos.
Que o presente traga o que o tempo roubou e que a saudade instale o que a razão desligou, tudo é lembrança e tudo faz parte, de nós, das dores desavisadas às alegrias desmedidas, a misericórdia do amor de meus amigos se apresenta, pede passagem e se oferece a ser acolhida por mim!
Bem vindos sempre, velhos amigos!
Anadijk
Houten, 17/JUN/2008