A monotonia e o mundo

Hoje acordei estranho... Sentimento clássico de vazio existencial, sabe? E foi exatamente por estar tomado por um sentimento tão blasé, que eu despi minha alma diante desses lápis e caderno.

Blasé... Démodé... Palavras tão estrangeiras quanto este grito adolescente por algo que não entendo.

Talvez sentimentos tão profundos não devessem ser escritos. Intimidade sem espaço para divisões... Mas hoje decidi que quero ir um pouco mais além. Muito mais do que escrever, quero a seriedade de jurar! Quero a liberdade de me derramar inteiro, gota por gota até encher, mesmo que por alguns segundos, o mundo com meu puro egocentrismo. Sei que não conseguirei, mas mesmo assim quero a oportunidade de tentar.

Pensei em tudo o que sinto... Pensei naquilo que eu sou e não consigo transcrever. Muito daquilo não tem nome. Muito daquilo é vertigem pura, o que me assusta um pouco. O desconhecido me assusta, e isso me torna ainda mais clichê.

Não sou como o soldado ansioso que vai para a guerra com o objetivo cego, mesmo que muitas vezes contra sua vontade, para matar ou morrer da maneira mais precipitada possível. Eu não. Prefiro as sutilezas do mundo. Prefiro a viscosidade quase obscena da língua e toda a sua perfídia. Prefiro a aparente inocência da palavra que instala-se no inconsciente... Na alma! E este é o verdadeiro estrago. Este é o verdadeiro domínio. Aquele contra o qual não há defesa. É tão satisfatória a vitória que não se percebe!

Não me anuncio, me insinuo. Sou a torneira que goteja inofensiva e vagarosamente alaga. Na surpresa... Na surdina. Sou exatamente como o balão cheio de ar no exato momento em que estoura pelo excesso. Não me contenho! Sou do mundo e ao mundo me entrego, e é de todo o excesso gritante, aquilo tudo que só faz extravasar, que tiro a experiência e o aguçado entendimento, apenas no silêncio de um olhar... Sim, eu realmente estou convicto de que sou o mundo. Assim como cada um de nós. Mas sou um mundo tão pequeno, que suporto muito pouco, se comparado à grandeza com a qual o mundo poderia me completar. Sou finito. Limitado por apenas uma vida que não é o bastante. Nunca é. E ao sopro que me estoura, chamo sentimento.

Sentimentos são quase como bolhas que estouram pelo ar, ou talvez até sejam parecidos com um raio. Primeiro enxerga-se o relâmpago, somente luz sem grande intimidação, depois escuta-se o barulho ensurdecedor do trovão... O mesmo barulho medonho que põe as crianças assustadas debaixo da cama.

Ah, Sentimentos são tão inconstantes! E é somente quando escrevo que me sinto um pouco mais duradouro do que uma ínfima batida de coração. Batida. Choque. Chocam-se meus ideais com minha realidade, Meus pensamentos com meu cárcere privado. Tudo explode-se em fogosa e desconcertante confusão. Fogo. E todas as pontes, ou qualquer morada sólida, consomem-se em chamas; como num lindo show de fogos até o alvorecer! Mas dos fogos sobram as cinzas, e com elas ninguém se importa.

É a besta que devora e culpa-o pelo desejo imposto e reprimido; a eterna fome de fruto proibido, o qual, pela primeira vez, tu arriscar-te-á para comer.

Não desejo muito, nem espero que o mundo me compreenda (Aliás, o mundo me compreende, nos damos muito bem. Refiro-me as pessoas, essas sim são difíceis de lidar). No fundo, bem no fundinho mesmo, espero apenas que um dia a aurora chegue mostrando a beleza viva do dia, sem acabar com a tranqüilidade serena da noite.