[Excertos de uma Crônica Desandada em Poema]

Estou doente dos olhos:

não tenho projetos sequer

para o anoitecer de hoje,

para amanhã então...

Extingue-se o sol de inverno,

a brisa fria sopra incontida,

a noite vem vindo,

o meu corpo se elanguesce;

O pensamento passeia em vão,

volta vazio dos lugares onde foi.

sei que tenho forte possibilidade

de estar vivo amanhã, de manhã,

pois, a menos de um mal oculto,

nada há que contrarie essa possibilidade

[pensando bem, seria bom que o absurdo

de estar vivo terminasse esta noite].

Penso em voltar — para onde, para quem?

ainda que fosse possível voltar

[sabemos muito bem que não é],

as coisas e as pessoas seriam outras:

obviamente, toda volta é falsa!

somos seres "one way", portanto,

perfeitamente descartáveis!

É loucura, paranóia, ou sei lá o quê,

correr atrás de vontades de ontem!

Nem àquela rua dos sonhos eu consigo voltar,

tenho as mãos vazias de sonhos,

estou sem boca para qualquer bebida,

sinto uma fome à-toa, sem qualidade,

jornal molhado com sal me serviria!

[Sou um ser de recorrências —

os poucos que me conhecem já sabem:

estou, de novo, naquela viagem noturna

num trem que cruza os cerradões de Minas]

[Penas do Desterro, 03 de junho de 2008]