[Eu e o meu Corpo]

Madrugada fria,

eu e o meu corpo

estamos em terra estranha.

O café não tem o gosto de sempre,

a lenha não arde mais,

o gato não subirá no canto do fogão,

o gado manso não virá ao curral,

o cheiro da dama-da-noite cessou —

não, este não é o meu chão!

Nunca mais o cheiro dos arreios viajados,

nunca mais os pés cansados dos estribos,

nunca mais as pernas arqueadas da montaria,

nunca mais a voz rouca da poeira das estradas,

nunca mais a visão da estrela-guia

nas cavalgadas pelas invernadas!

No desterro é assim:

o fiado lento das horas,

o acicate maldito dos achaques,

a águas noturnas enfim emudecidas,

a terra toda estiolada,

flores secas em vasos rachados,

livros carcomidos de traça,

dores no corpo todo,

noites insones,

solidão,

o fim.

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[Penas do Desterro, 01 de junho de 2008]