A DITADURA NO ARQUIVO-MORTO

Acordara cabreiro, ressabiado da noite anterior.
Festa de gente boa e bonita, bebida e mordomia.
A nata rica e graúda, coisa de filha de um senador,
Olhos azuis, cabelos pretos e esculpida anatomia.

Encharcara-me de scotch, curtia doce ressaca,
Sexo, drogas e putaria, com gravata e casaca.
Penetrei fundo num certo círculo íntimo, vicioso,
Corrupção e luxuria no bagageiro do carro viçoso.

Introduzi-me entre as pernósticas tramas sociais,
Algo sobre a tortura, não sei, piadas nos bacanais.
Vilipendiosa orgia com os seus, e os “nossos” fundos.
Riqueza e poder concentrado, os abismos profundos.

Corrida no asfalto, tintura vermelha, pedaços no cemitério.
Não penso, cultivo crença, sou conservador e contralto.
Tudo num golpe transparente, fui agente da repressão.
Quero a polícia ao meu lado, segurança contra assalto.

Fantástica acumulação econômica processo, sem paúra,
Legislo no meio-a-meio, uma no veio, outra na rapadura.
Não passo recibo, odeio cobrança , imposto e nota fiscal.
Nas altas rodas, empresário, o bacana da coluna social.

Dizer quem é que manda, adoro, um samba e o futebol.
Funk e melancia, fast-food e porcaria, vendo na TV,
Sarney, Henrique, Serra, Magalhães, Maluf ou Collor,
A massa ri e faz claque, é um programa de auditório.

Vendo pedigree da fama, se renova por semana, e o Satã.
Vendo Deus e vendo baralho, a droga, o fuzil e o caralho.
Protagonista, tu? em pele e tela, só se for BBB ou novela,
Acidente, crime na favela, no eterno personagem da vilã.

Elegi meu velho paradigma, ser do exemplo à cura, exceção.
Sou deputado, bicheiro, traficante, mecenas ou magistrado,
Quero o “meu”, danem-se todos, e os sonhos de uma nação.

Especulo pelos lucros, a produção e os juros, por uma nova eleição.
A Ditadura há pouco, ninguém pra dar-nos troco,
Por isso não contem nada, ainda não, é cedo!
Não contem, não contem nada a ninguém...

Eu só dei o arrocho, se ele ficou coxo e roxo,
Foi briga de terrorista, fraqueza de cabra frouxo,
Comunista que se enforcou na prisão.

Antigamente, era mortadela e cerveja,
A morena e cereja no armazém do Manuel.
Hoje é aposentadoria e respeito,
medalhas no peito, eu até virei coronel.
O cara do Riocentro, que com o finado sargento,
aquele que estourou o peito,
Com a bomba que saiu do seu colo.
Atropelou protocolo,
Na escola é capitão.

Só ouço choradeira e besteira,
Lutei uma guerra em trincheira,
Com o três oito e peixeira na mão.
Comandei destacado e bravo batalhão.

Àqueles guerrilheiros canalhas,
Pau-de-arara, choque e navalhas,
fazem libertar o cristão.
Se morreram internos,
Dentro de cubículos e celas,
Foi por não terem salvação.

Viúva sem o óbito do marido,
Epígrafe de ouro e retrato no vidro.
Pais e filhos sem cemitério,
Um enterro eleutério,
Um defunto pra chorar.

Cicatrizes ainda abertas e dor,
DOI-CODI e Operação Condor,
Não contem nada,
Não contem a ninguém.


                                                                                                       outubro 2008

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Anistia ampla, geral e irrestrita foi uma conquista!
Tortura, assassinato e torturador não se acobertam...
Não se esqueça, a temática a todos pertence,
por mais estranho que pareça.
A Democracia não se resume ao voto,
Sou cidadão e posso,
Saber a história recente, honrar os que não estão presentes,
Descobrir o encoberto, pesquisar o livro registro de entrada,
Nº cova e nome do detido em pé, o presunto sumido na estrada.

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