Engenho de Arroz

Quando eu era pequena, menina, ainda, tinha um problema sério com a vara de marmelo...

Muito moleca, vivia com pregos no pé... Colocavam cebola na ferrugem, para que eu não tivesse tétano, coisas da crença de minha mãe...

Morria de medo de cobra d'água, mas vivia tomando banho no arroio... Quase um peixinho, nadava até no frio...

Onde morávamos, tinha silo de arroz... Eu corria para o engenho, desviava-me de meu pai e comia o arroz cru, ainda quente, que saia do maquinário... Subia na esteira e pulava, antes de ser engolida pelas correntes e depositada em saco-de-estopa...

Do lado de fora, do engenho ficava outra diversão: as pilhas de cascas secas. Isso sim, era perigoso... Naquela época, aos meus olhos, eram gigantescas. Eu subia, subia... Descia rolando. Certa vez, fui fazendo um buraco e entrei... Soterrei-me até a cintura... Graças a Deus, não foi até os ombros... Os anjos salvam à Inocência.

Resultado da farra: pele avermelhada, sinal de agrotóxico, duas chineladas de leve, como sempre, e, retorno aos 'combros' (dialeto ou palavra inexistente, embora eu tenha ouvido a minha infância inteira... Coisas de uma língua morta)... montes... escombros de cascas douradas, em duas semanas...

Subir em árvores, não era nenhum problema, pra mim... Tinha até uma faquinha, bem pequena, grudada, no pé da macieira...

Um dia virei pirata... Tapa-olho... Fiz um mapa... Corri riscos... Atravessei matas, cascatas e matei jacarés... Ilusão de criança: o mapa em papel de pão, outras crianças pelas mãos, e o ataque foi ao boteco da esquina... Riram muito, deram-nos dinheiro, para fingir que era do baú... Tive que devolver. Como apanhei naquele dia!!!

O trem quase em movimento, ô guria danada!!! Não tinha jeito, queria atravessar... Passava por cima, na junção dos vagões... Ora por baixo... Gelava o coração!!!

O muro, que envolvia a casa, era baixinho... Pra vizinhança chegar e conversar. Eu estava mais crescida, eu era maior do que ele... Nesse dia, em especial, passou um menino lindo, nunca tinha posto os olhos 'nessas coisas'... Mas, o amor chama e fiquei com o olhar comprido, morrendo de vergonha... Quando ele olhava, eu baixava a cabeça, balançando-me, entre as duas pontas do muro... Pra frente, pra trás... Num repente, bem de longe, ele acenou... Eu revidei (um ano quase amor, quase briga... confundia tudo ainda). Soltei uma das mãos... Caí de costas... e pronto!! Salmoura!! Os ossinhos das costas sem pele... O Amor puro... Sem semente!!

Falei dos quindins, a um amigo, ontem... Um tabuleiro, com forminhas... Banho-maria... _ Tem que esperar esfriar... Desenformar... Bobagem!... Eu não ouvia... Dava uma mordida grande, queimava a boca... Saia chorando, mas feliz... Um quindim mordido... Tem idéia do que é isso... Era muito bom!

Cresci rápido... Lendo, lendo, lendo... Nem percebia que já era lida...

Por hora, lembrei-me disso...