Neologismo
Nunca vi nada parecido com o Poetrix. Um terceto prodígio. Nos permite criar e recriar vertentes e mais vertentes, baseadas em seus três versos e sua inegável versatilidade e profundidade.
Parece um gênero literário da mais alta complexidade, mas não é. Subcategorias, a serem criadas, a meu ver, não têm fim. Em mim, elas brotam com extrema facilidade. É um prazer enorme, pensar e desenvolver teorias para a divulgação do nosso tão atraente terceto.
Ele difere dos demais poemas minimalistas por ser altamente conciso, uma de suas principais características. Seu conceito não se restringe a uma ou duas regras que possam engessá-lo, um terceto que não vislumbra limites. Nem fronteiras poéticas. Quanto mais o estudo, mais o vejo no início de uma longa caminhada. Creio já ter dado alguns passos, mas nem tantos!
Quando penso no Poetrix é como se ele se apossasse de mim, do meu processo criativo, da minha consciência e, por que não dizer, da minha vontade de escrever e dividir com os demais leitores tudo aquilo que vejo e almejo de suas artimanhas.
Tento esquecê-lo por alguns instantes, mas logo novas ideias afloram de tal sorte que volto para onde havia parado. As ideias vão crescendo no dia a dia, é como se brotassem dezenas de sementes que um dia semeei, no início de uma primavera. Tenho uma necessidade íntima de realizar sonhos poéticos. Por exemplo: escrever Poetrix todos os dias. Não que sejam belos,
mas sonho que sejam lidos e criticados na sua essência e conteúdo.
Hoje amanheci com uma vontade enorme de trazer para o Poetrix o Neologismo, de uma forma mais acentuada, mais intensa, mais objetiva. Até porque a palavra "Poetrix" é um Neologismo composto por Poe (de Poesia) e trix (de três). Que foi criado pelo poeta baiano Goulart Gomes em 1999.
No ano de 2000 demos início ao Movimento Internacional Poetrix - MIP, sob a coordenação de seu criador. Foram nomeados poetrixtas - coordenadores para diversos estados do Brasil e no exterior, no intuito de divulgar esse novo gênero literário. O que me espanta é saber que já caminhamos por vinte e cinco anos e ainda não consta nos dicionários da língua portuguesa o termo - Poetrix, nem como Gênero Literário, nem como Neologismo.
O Neologismo é um fenômeno importante para todos os povos. Surge da necessidade de se criar novas palavras. Isto ocorre porque a língua, de qualquer nação, está em constante mutação. Assim como, todas as coisas tangíveis e intangíveis.
As transformações ocorrem nos dois sentidos: ora são criadas novas palavras, ora palavras são esquecidas no dia a dia. Isto é inerente ao ser humano, que não se contenta com a mesmice. Estamos sempre na busca de algo novo.
Na literatura brasileira, o maior especialista em neologismos foi, provavelmente, o escritor Guimarães Rosa. Não podemos falar em Neologismo no Brasil, sem nos reportarmos a ele como nosso grande incentivador e criador de novos vocábulos tão importantes e belos para o nosso idioma. Seguindo esta ideia, escrevi alguns Poetrix.
Vou exemplificar e comentar alguns deles, na esperança de que sirvam como exemplos para outros autores que queiram caminhar nessa direção.
Chegau
chegar calado,
palmo e passo,
manso que nem água de poço
Veja só: aqui usei a palavra "Chegau", como título. Observe que além de ser um vocábulo novo dei a ele um sentido que me pareceu adequado, com o desenvolvimento do poema. Explico qual é o seu significado. Este pode ser um caminho a ser percorrido.
Entendo que em um poema tão conciso como o Poetrix, essa não é, e nunca será, uma tarefa fácil.
Outro exemplo nesta mesma linha:
Chavé
tramelas empoeiradas,
janelas trincadas ao meio:
pouco ou nada, importa!
Lendo o poema rapidamente, percebe-se que há uma tendência lógica de compreensão entre a palavra "Chavé" e, o primeiro verso "tramelas empoeiradas". É como se eu conduzisse o leitor para que ele acompanhasse o meu raciocínio, a minha linha de pensamento.
Pois bem... Lançarei mão de um pequeno trecho do livro Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa, para poder fazer algumas considerações.
"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." O que me chama a atenção neste fragmento é a palavra "desinquieta". Assim, nesta frase, a nova palavra está inserida em um contexto mais amplo, mais "amigável" do que em um poema conciso como o Poetrix, isto
favorece o entendimento. O leitor meio que deduz o significado do termo. Além de que, esta é uma palavra interessante, instigante. Vou exemplificar a minha ideia com mais três Poetrix de minha autoria, onde incluo a nova palavra no poema.
Agora, ela faz parte do texto, do enredo.
Augusto Matraga
pouco, às vezes até afainado;
falava quase só o de costume
mordeu a língua, caiu duro!
Neste poema a nova palavra é "afainado", que está no final do primeiro verso.
Aparentemente ela não nos diz nada. É preciso que se atente ao segundo verso, onde se lê: falava quase só o de costume. Estou fazendo uma referência à fala, por isso -"afainado". Ou seja: Augusto Matraga na hora da morte estava fanho: pessoa que fala de maneira anasalada, como se a voz saísse pelo nariz. No terceiro verso, reforço a ideia quando digo que mordeu a língua.
Outro exemplo:
No Carnaval
desbarrigou total
gataiada caiu de quatro:
dois machos - duas fêmeas
Neste exemplo temos como palavra nova - "gataiada". Dá para entender o seu significado até com certa facilidade. No primeiro verso temos "desbarrigou" apesar de não ser uma palavra comum nos indica que houve um esvaziamento. Um despertar da barriga. Este movimento ajuda o leitor a entender a nova palavra com facilidade. O terceiro verso facilita a leitura e o entendimento de uma forma bem simples e direta.
Outro exemplo:
Capenga
leito seco, velha estrada
amofinava logo ali
uma porteira, fim de linha
Neste Poetrix me parece ser fácil também o entendimento da palavra "amofinava". O título já diz que é algo mais ou menos. Alguma coisa avariada. "leito seco" diz que se trata de uma coisa morta, sem serventia. "velha estrada" demonstra o mesmo, final de linha - que reaparece no terceiro verso. O segundo verso diz: "amofinava logo ali". O rio, como uma estrada velha, morria logo ali, logo à frente. Já o terceiro verso "uma porteira, fim de linha" reforça a ideia de que não tem mais saída… é o fim.
Recapitulando... "Guimarães Rosa recriou a língua portuguesa em todos os níveis, resgatando termos em desuso, criando neologismos e fazendo uso de empréstimos linguísticos, inserindo esses elementos em estruturas sintáticas inovadoras. Em sua prosa, há um diálogo constante com a poesia e, essa característica é perceptível quando o escritor utiliza recursos, tais
como, o ritmo, as aliterações, as metáforas e as imagens.".
Acredito que deveríamos dar continuidade a esse trabalho tão significativo, tão desafiador. Ainda mais agora que temos a Inteligência Artificial para distorcer a abstração poética que tanto admiramos. Os desafios, por ora, são dantescos.
Cada vez menos vejo pessoas nas ruas com livros nas mãos. Cada vez mais os livros estão precisando de socorro. Um dia desses vi, com os olhos remelados de tristeza uma caçamba de coleta de entulho com alguns Machados, alguns Guimarães e outros e mais outros que não desejei ver.
Tentei acudir, me disseram: "isto é lixo"!