Poesia minimalista - Poetrix
Dirce Carneiro cadeira 26
Patronesse Eliana Mota
C-ASAS
(Dirce Carneiro)
viagem foi boa
pouso bagagem
linhas vívidas
Saúdo a Presidente desta Casa, Marilda Confortin, a Diretoria e todos os acadêmicos, fundadores e ingressantes.
Aos que confiaram o seu voto na minha trajetória literária agradeço sinceramente.
Parabenizo Goulart Gomes, pela feliz iniciativa de criação da AIP, poderosa via de fortalecimento, projeção, divulgação e criação de Poetrix, espaço de convivência fecunda de poetas.
Ressalto o trabalho eficaz do Comitê para Eleição de Novos Membros da AIP 2021, pela orientação durante a campanha, acolhida e clima amistoso. Eleição histórica, por ter sido a primeira para conduzir membros, pelo voto dos acadêmicos fundadores. É uma honra.
Caros poetas.
Dizem que devemos acreditar naquilo que sonhamos e a que nos dedicamos. Fiz um exercício de fé, esboçando esta mensagem durante a campanha de eleição para membros da AIP. Foi o meu jeito de aquietar-me e entregar este Sonho Poetrix ao Universo (fé - na intimidade do ser).
Chego aqui com as leituras das vidas de santos, que meu pai trazia do trabalho e mandava eu ler para as visitas, quando ele dizia com orgulho: “Ela já lê”. Imagino o orgulho que ele sentiria vendo-me ingressar nesta academia.
Quando criança, escrevia no ar, mãe temia fosse loucura, de tanto estudar, ler.
Gratidão a meus pais. Assim como eu – mãe – eles me deram o melhor que tinham e sabiam. Mãe acendeu em mim a ideia de uma nova consciência de ser mulher. Sua figura marcou definitivamente meu papel como ente feminina.
Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP a consciência sobre o mundo se ampliou e este é um processo que dura, enquanto vida houver.
Meu filho se alegra, se orgulha e se aquieta ao ver o bem que escrever me faz. Hoje é ele quem diz: “Mãe, tenho orgulho de você”. Obrigada meu filho, por sempre me incentivar.
Após os estudos fundamentais, fui trabalhar. Interrompi o rumo natural para as moças da minha época – casar – rota da qual desviei para estudar quando uma escola noturna foi aberta no bairro.
Migrante das Minas Gerais, passei a primeira infância no interior de São Paulo, onde vivi tempos encantados, de bonecas de pano feitas por mãe, de buscar leite na fazenda com a proibição de comer manga - porque leite com manga era morte certa. Um dia, combinamos comer manga e beber leite para ver se a morte vinha. Deu meio dia e nada. Contamos à mãe. “Valha-me minha nossa Senhora”, é a lembrança que tenho. Deve ter consultado algum médico amigo.
Não morremos, viemos para a capital e aqui o encantamento esvaia-se. Bem criança, sensibilidade à flor da pele, tinha a percepção de mundos diferentes, só muito mais tarde a consciência traduziu para diferenças de classes sociais.
Na escola, ganhei um concurso de redação, sobre “as maravilhas que o governo faz com os impostos pagos pela sociedade”. Achei linda a aula dada pela professora e acreditei naquele país tão bom e bonito. O prêmio foi uma quantia em dinheiro, a professora levou-me para recebê-lo “na cidade”.
Transitei por lugares e situações vaticinadores do “não vai dar certo”. Jovem, bonita (a beleza da juventude - dos asnos - como dizem os italianos), pobre, ouvi de um bem nascido do bairro “você não tem escolha”. Hoje ele se assenta como representante do povo em Brasília. Ah...o povo...
Se deu certo não sei, ainda estou viva e como diz a canção “o jogo não acabou, ainda estou rolando os dados”
Houve momentos cruciais.
Um dia, fiz terapia para não enlouquecer. Ela perguntou: “Como você conseguiu?” Chegar inteira, confiante, até alegre, ela quis dizer. Lembro aqui a frase de Dona Lindu, mãe do Presidente Lula: “é preciso teimar”. Sempre existiu uma crença interior, uma força, uma obstinação oculta, uma paciência, uma noção de dignidade, sem nunca alguém ter dito o que era isso. Por isso, quando nas salas de aula, alunos se prestavam a serem espiões da ditadura, eu pensava que soubessem estarem conspurcando seus seres dignos. Mas a terapeuta observou: “Eles não sabem o que é dignidade, nunca ninguém lhes ensinou o que é isso...”
Chego com dias de trabalho e noites acordadas, o salário do dia e a escola da noite, tempo de mestres cassados, os melhores, com os quais se bebia o saber de séculos do idioma e da literatura.
Chego com os companheiros do Recanto das Letras, das Antologias, dos Grupos, de Coletâneas, com vivência de comentários em poetrix, poesia, prosa, críticas, lições, debates. Nesses espaços, creio, Goulart Gomes garimpava os amantes do Poetrix, convidando-os às Antologias. Foi assim comigo. Antologia 5, convite por email. A partir daí o Poetrix faz parte dos meus dias. É um fascínio, desafio, fator de desenvolvimento pessoal e poético, autoconhecimento, reflexão, convite a expressar universos de modo conciso e profundo. Nem sempre se consegue. Mas é preciso teimar, resistir, sempre, ousar.
Chego com o aprendizado de convivência em grupos, como o Ciranda Poetrix (até 2020) e Selo Poetrix, onde aprendi, aprendo e exercito a convivência e aprofundo o estudo do terceto criado por Goulart Gomes. São microcosmos, onde não só exercitamos o fazer poético, como também expandem nosso conhecimento e possibilitam o crescimento em outras áreas da existência. Agora, a Academia é nova escola, novo estágio de aprendizado poético e de vida.
Quem ensina aprende e quem aprende também ensina, é máxima da educação e cultura. Porque não estamos sós, não somos sós. Ubuntu – somos um – sou o que você é, diz a filosofia africana, popularizada por Nelson Mandela.
Chego com os que nos abriram caminhos, prepararam trilhas, brigaram e resistiram e persistem para darem vez e voz ao Poetrix, na Literatura Brasileira e do planeta. Vamos teimar. Poetrix, nós acreditamos. Somos semeadores de tamareiras.
Chego com os que me aceitaram para somar, não soltaram as mãos, não desistiram, resistiram e resistem. Aporto com a bagagem meio cheia. Chego com os recursos e repertório da minha história. Meu dicionário possível, incompleto, ainda. Não somos seres acabados. A AIP é agora o atelier onde vejo o torno da arte Poetrix, a incorporar novos vocábulos ao meu dicionário, palavras de poesia e de vida.
Tenho sim certa inquietude a domar. Não... não é modo de se achar ou vontade de causar, como disse alguém...É a inquietude da busca, da resposta nos lábios, o exercício para compreender.
Chego com a perplexidade ante a distância do ideal acadêmico e a realidade do Magistério, que me fizeram resistentes a teorias e buscar ser mais prática. Há algum tempo, reconcilio-me. Aprendi a palavra idiossincrasias. Destarte, carrego lembranças imorredouras de sala de aula. O profundo encantamento de ver o conhecimento e a aquisição de habilidades iluminando olhos, abrindo mundos, fazendo subir montanhas.
Chego com a minha descendência, filho e netos, sem os quais a vida seria uma lacuna e uma interrogação neste existir.
Trago na valise sonhos de cidadã, meus e de tantos da nossa terra, sonhos plantados por nossos ancestrais, lutados, conquistados, mas também sonhos abortados por interesses vis de governantes desconectados do verdadeiro sentido da política – o bem comum.
Tenho livros publicados, escrevo prosa, poesia, literatura infantil/juvenil, elencados na biografia publicada neste blog.
Sobretudo, rendo homenagem à poeta Eliana Mora, patronesse da cadeira 26, cuja soma totaliza 8, símbolo do infinito, onde me assento, trazida que fui pelo voto dos acadêmicos desta Academia, aos quais, novamente, minha eterna gratidão.
Sobre Eliana Mora, está escrito no seu blog:
“….no meio do caminho, sudeste, Brasil. Uma mulher que amanheceu a vida com Poesia. E com ela segue pelos entardeceres.”
Do Rio de Janeiro, filha de imigrantes, seu pai dizia que “ser poeta é uma coisa que nasce com a gente”
Concordo, tenho sempre dito que ser poeta está no DNA.
Eliana foi jornalista, professora universitária, poeta, especialista na Arte de Dizer, integrou o MIP – Movimento Internacional Poetrix, tendo participado de Antologias do grupo. Seus blogs, seus textos são de uma beleza de dar saltos e sustos. Espantos diante do belo. É pura Arte, em imagens, letras, obras prima, nas quais ela se inspira. Exemplo nos poemas a seguir:
Não existe fórmula
...e o som divino a me rondar
talvez para apenas
me mostrar
levas de sonho
em acordes flamejantes
a compor a avenida
do poema
e eu não sei como explicar
esse simples
teorema
tão lindo
intenso
[e subliminar]
Eliana Mora, 05/02/2017
De caminhos, buscas e raízes
De tanto olhar o impossível
a mesma direção
muitas, infinitas vezes
as estátuas de mim
não se transformam mais
no sal da terra
muito menos em raízes
que se grudam em árvores passadas.
Buscam mais de mim
aqui - no meu próprio chão.
Eliana Mora, 24/5/2012
Em Obra de Arte e Textos:
Quais as ‘lentes’ que o artista, em sua inspiração, teria usado nesta obra? Incríveis tons de verde, castanho, tons que poderiam ser sentidos até como escuros, lúgubres, fechados. E o que ele transmite é a beleza de um lago ao final de um dia extremamente belo. Reflexos desta beleza explodem em cada pincelada. Percebi que nos meus pensamentos imaginava com quantas ‘lentes’ temos que contar, para que a vida não nos ‘leve’, apenas. Para que tenhamos liberdade de sonhar com algo maior. Para que nunca precisemos abrir mão de explodir também, em nossos sentimentos e esperanças. [Eliana Mora, 12/2/14] Eliana Mora, 04/11/2019
POETRIX:
Duplix:
Vá, idade // ...da (c)alma
marilda confortin // Eliana Mora
dobra os joelhos//não me peça tanto
doma o orgulho//não a mais do que devia;
apazigua minh'alma/: da (c)alma ainda vivo - um dia.
Uau
(Eliana Mora)
secura de lua
de beijo e doçura
se-cura de ti
nascer
(Eliana Mora)
a vida quando vem
é colo é oásis
tudo tem suave som de cítara
teço
(Eliana Mora)
texturas
de ti
em meus tecidos
poeminha viscoço
(Eliana Mora)
em meio a teu visgo
me sinto emplastrada
feliz e cansada
concha
(Eliana Mora)
Fui colocando muito mar
à minha volta
e virei ilha
Tu, poeta
(Eliana Mora)
a fala inquieta
um código meio solar:
pelo tom, fragmento de asteróide...
CHEGADA
(Dirce Carneiro)
3 versos nas mãos
poesia em buquê
nockout de emoção
Dirce Carneiro, cadeira 26,
em 29 de novembro 2021.
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