BULA POETRIX - Comentada

1ª - O Hai-cai é uma pérola.

2ª - O Poetrix é uma pílula.

(PC)- Para mim, são duas epígrafes bastante apropriadas aos temas. Duas inscrições criadas por Goulart Gomes.

Mais uma.

3ª (PC)- O Poetrix não cabe no Cale-se.

Esta é de minha autoria.

Inicio com um esclarecimento fundamental, para que fique claro para todos o que me propus a fazer neste texto. Onde lê-se (PC), entenda-se que são as minhas falas. O mais, são os próprios textos retirados da Bula Poetrix.

"Em 2009 o POETRIX completou 10 anos de sua criação. Nesse período ele obteve uma significativa propagação no Brasil, Portugal e em outros países de língua latina.

Com o objetivo de melhor defini-lo, estabelecendo critérios quanto à sua forma e conteúdo que possam orientar mais precisamente os seus autores - os poetrixtas – a Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix (MIP) divulga, agora, esta BULA POETRIX, conjunto de orientações para o aperfeiçoamento e uniformização desse gênero literário."

PC - Estamos em pleno ano de 2021. O Poetrix está completando 21 anos de sua existência, por isso resolvi escrever uma Bula Poetrix que fosse comentada.

Acredito que as inserções e exemplos, que serão postados, poderão, de alguma maneira, auxiliar àqueles que estão dando seus primeiros passos na construção e concretização do gênero Poetrix.

Com certeza não esgotarei o assunto. Nem tenho esta pretensão. Mas desejo acrescentar alguns passos importantes e os destrincharei na medida do possível.

 

"1 POETRIX – Informações Técnicas.

CONCEITO:

Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título."

(PC) - O conceito é sucinto e claro.

Não vejo a necessidade de nenhuma alteração ou reparo que seja significativo e relevante.

"2 CARACTERÍSTICAS:

2.1 O Poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas."

(PC)- Este é o grande foco de todos aqueles que gostam e escrevem Poetrix.

Nada melhor que vislumbrar uma ideia interessante e elaborá-la em um contexto que seja compatível com a linguagem minimalista.

"2.2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor."

(PC) -O título é obrigatório no Poetrix. É ele que norteia o leitor, que nomeia o texto.

Particularmente, não gosto da possibilidade do título fazer parte do texto. Quando isto ocorre, o poema fica com o aspecto da Quadra. Quem não conhece o Poetrix, nos seus mínimos segredos e detalhes, pode confundir esses dois instigantes gêneros. Principalmente se o primeiro verso do Poetrix, rimar com o terceiro.

Mas não vejo esta questão como um problema a ser resolvido. Isto é mais uma questão de "necessidade" no momento da criação do Poetrix. Às vezes os três versos não dão liga... precisam de um reforço adicional.

"2.3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável."

(PC) - Veja bem... não existe rigor quanto ao número de sílabas métricas entre os versos, mas é bom lembrar que o total não pode passar de 30 sílabas métricas.

A preocupação com o número de sílabas geralmente ocorre quando o autor está começando a escrever Poetrix, porém, logo ele percebe que o que faz a diferença, é a concisão e não o número de sílabas por si só.

As rimas são livres, mas devo confessar que não me agradam muito. A não ser que sejam rimas ricas e raras.

Fico inquieto e relutante, quando são feitas com o terceiro verso, penso que enfraquecem o texto. Sinto que elas colocam um ponto final na composição.

Acho menos danoso quando se situam entre o primeiro e segundo verso ou quando ocorrem no interior de um dos versos.

"2.4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do Poetrix."

(PC) - A Metáfora é uma das grandes sacadas do Poetrix. Na maioria das vezes é ela que dá brilho ao texto. É ela que permite estabelecer uma relação de comparação.

Vale dizer que não é algo muito simples de se elaborar, devido a concisão que o autor almeja e o Poetrix "exige".

"2.5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais."

(PC) - A interação é como a empatia. O leitor tem que se identificar com o texto, ele precisa absorver o que o autor sente, o que autor quer que ele veja nos conteúdos "dissimulados" e/ou nas mensagens visuais ou auditivas que ficam escondidas nele e que devem entrar no subconsciente da pessoa que é exposta à mensagem em questão.

Em tempo... ter empatia é ter a capacidade de se colocar no lugar do outro.

"2.6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente."

(PC) - Aqui não tenho muito o que falar. Os tempos verbais permitem ao autor indicar na sua fala se algo já ocorreu ou não.

"2.7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense)."

(PC) - Este é um conceito que me lembra o Teatro do Absurdo, com enredos sem possibilidade de existirem na vida real ou, ainda, o movimento Dadaísta, que é desprovido de significação lógica ou coerência.

Pode ser visto também como condutas contrárias ao bom senso.

"2.8 O Poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado."

(PC) - Este é um dos grandes mistérios/encantos do Poetrix. Sem essa condição ele ficaria meio que "sem sal", sem Norte.

As palavras e o enredo, devem conter, se possível, vários significados, várias cenas. Sem falar nas sensações e estímulos que são produzidos através da visão, da audição e do tato.

"3 COMPOSIÇÃO:

O POETRIX deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino."

(PC) - As propostas de Ítalo Calvino na verdade são seis, porém, na Bula foram acrescidas mais quatro, para dar mais flexibilidade ao poema, fazendo com que possa ficar mais abrangente.

"3.1 CONCISÃO - o mínimo é o máximo. O importante é dizer muito, falando pouco. O Poetrix é uma pílula, que tem seu propósito determinado; é um projétil em direção ao alvo."

(PC) - A concisão é um princípio intrínseco ao minimalismo, por isso, o mais usado e mais comum de se ver nos Poetrix, até porque, se passar das 30 sílabas poéticas, deixa de ser Poetrix. Nem por isso, é algo simples e fácil de se executar. Muitos são os que se perdem nesse quesito, com títulos e textos longos.

Um princípio importantíssimo e charmoso.

Provavelmente essa tenha sido a primeira ideia que chegou à cabeça do poeta Goulart Gomes, quando começou a rascunhar seus primeiros Poetrix.

Vejam e confirmem comigo a concisão e beleza, dos seguintes Poetrix.

Chuva no meu deserto

(Rosângela Trajano)

havia sede em mim

não conhecia rios

hoje sou poça d'água

Outro exemplo:

Sonho

(Bijuka Camargo)

vestida de lírio

adormeceu no campo

acordou libélula

Um título enxuto, uma estética interessante... um bom e coeso Poetrix. Todos os versos estão entrelaçados: lírio, campo e libélula.

Outro exemplo:

Chuvas pelas quais dancei

(Andréa Abdala)

guardei

tempestades em mim

hoje sou água corrente

Título extenso, porém não compromete o poema. Está inserido no contexto.

 

"3.2 SALTO - é a metamorfose da ideia inicial, provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova perspectiva de compreensão do Poetrix."

(PC) - O Poetrix é um terceto que nos oferece inúmeras variações, é uma arte minimalista que vem agradando, a cada dia mais, aos amantes da boa poesia.

Uma das características mais importantes deste novo modo de escrever tercetos é o que chamamos de Salto. Uma das Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino.

Quando falo em Salto, logo me lembro de Franz Kafka, com sua Metamorfose, que consiste, no caso do Poetrix, na transmutação de uma ideia inicial, de forma que ela possa ganhar um novo sentido.

O Salto precisa nos levar à mais instigante simbologia que a ideia possa vir a ter.

É onde a malícia do detalhe nos impõe uma criação diferenciada e própria.

Sem falar na rapidez e na concisão que o contexto exige.

É importante salientar que cada palavra do texto deve configurar, sempre que possível, uma surpresa diferente e metafórica.

O leitor tem que ser surpreendido a cada leitura, por se tratar de um poema muito pequeno.

As palavras devem ter sentido duvidoso, devem inferir duplo sentido.

O Salto deve insurgir na mente do leitor como cacos de espelhos, onde os fatos se multiplicam. Deve reverberar, na cabeça dele, pelo menos por alguns segundos.

Um exemplo:

N(amor)o

(Pedro Cardoso)

eu sou

ela lua

nós...quarto crescente

O Salto já começa pelo título, onde faço um jogo entre as palavras "namoro" e "amor". São dois vocábulos distintos e consagrados por todos nós. Na verdade, um Salto dentro do outro.

No primeiro verso eu poderia ter escrito "eu sol" e não "eu sou". Aqui o leitor já se vê confrontado, provocado, instigado. E, assim... é convidado para a conversa.

No terceiro verso eu digo que "nós...quarto crescente" ou seja, a relação está em crescimento.

Quando me refiro ao "quarto" sugiro que o amor esteja sendo, realmente, iluminado pelo sol. E entre quatro paredes, na intimidade.

Vejam que existem "n" informações e transformações de palavras e situações. As cenas vão se desdobrando à medida que a leitura vai fluindo e ganhando forma.

O poema permite inúmeras interpretações. Está, a meu ver, é apenas uma delas.

Outro exemplo:

Fingidor

(Pedro Cardoso)

pode tudo

pode nada

"podi crê"

Fernando Pessoa disse que todo poeta é um fingidor. Por isso eu digo que ele pode tudo, como também não pode nada.

O Salto aparece no terceiro verso com "podi crê".

Esta é uma expressão idiomática usada algumas vezes na realidade jovem suburbana brasileira, com o significado de: "acredite" ou "confie em mim".

No primeiro e segundo versos eu disse: pode tudo - pode nada. Vejam que no terceiro verso aconteceu um acréscimo de significado à ideia inicial: confie em mim!

Grávida

(Pedro Cardoso)

do outro lado da rua

a barriga cresce,

é a boca faminta da menina

Vejam que o Salto aqui é bem sutil, ele aparece no terceiro verso.

A palavra "menina" tem duplo sentido. Pode-se ler que é a barriga da mãe crescendo, como também que é a menina, que está dentro do útero, que está se desenvolvendo.

Outros exemplos:

Cara metade

(Sara Fazib)

melhor par não faria

eu e essa minha falta

de companhia

Sonsas

(Lílian Maial)

estrelas

não dizem a verdade.

elas piscam

Maestro

(Dreyf)

quando me toca

todos ouvem

até Beethoven

Separ(a)ção

(Pedro Cardoso)

a dor era tanta

que até os ossos

me pareciam tristes

"3.3 Susto - é o elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor; é a fuga do lugar-comum, da obviedade, que desconstrói e amplia horizontes, mostrando outros caminhos, possibilidades, contextos."

(PC) - O Susto é um dos princípios que dá vida a esse novo gênero da poesia minimalista. (Digo novo no sentido de que ele só tem 21 anos de idade. Assim, acaba de atingir a tão sonhada maioridade).

É mais um dos itens inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino. Acredito que seja um dos menos utilizados por todos aqueles que escrevem tercetos. Parece ser um dos mais fáceis... ledo engano! Exige sagacidade do autor.

Ele precisa ficar bem destacado para que o leitor perceba de imediato o inesperado, a surpresa, o baque.

Não precisa de subterfúgios.

Por vezes pode invocar até "medo", provocado por uma circunstância ameaçadora ou imprevista.

Pode parecer estranho, mas vou postar um exemplo que fui buscar no Senryú, "o primo pobre do Hai-cai", porque ele não deixa dúvida quanto ao Susto, que é proporcional ao fato.

Vejam:

o ladrão:

quando eu o pego,

eis meu filho

(Senryù Karai)

O Susto é evidente. O impacto da leitura é direto. Não precisa de máscara, duplicidade, nem metáfora... nada disso!

Mais um exemplo pode ver visto no seguinte Poetrix:

Reza a lenda

(Michael Douglas)

além do universo

nos dias de folga

Deus brinca de astronauta

"Deus brinca de astronauta". Não sei onde o autor foi buscar esta pérola. Sem dúvida, um belo Susto!

"3.4 SEMÂNTICA - exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo a possibilidade de variadas leituras ou interpretações."

(PC) - "A semântica é a interpretação dos significados das palavras, frases ou expressões dentro de um específico contexto." Para melhor explorar este item vou escrever dois Poetrix:

Fugaz

Maria é flor,

José é um gato...

de sete léguas

No primeiro verso eu disse: "Maria é flor". Notem que estou dando um novo significado à Maria, estou dizendo que ela é uma "flor", um encanto. A palavra "flor" pode ser lida de várias formas ou sentidos. Eu poderia ter dito que Maria é uma Santa.

No segundo verso usei da mesma artimanha. Poderia ter dito que José é um gato lindo!

Outro exemplo:

Beijo

a boca é uma faca

dois gumes...

incandescentes

"3.5 LEVEZA - jeito multifacetado de utilização da linguagem. Nesse sentido, o uso de imagens sutis deve trazer leveza, precisão e determinação ao Poetrix e, com isso, provocar, no leitor, a abertura de renovadas construções mentais impregnadas de imprecisões e indeterminações, de novas possibilidades de interpretar a realidade, de desanuviar a opacidade do mundo."

(PC) - Leveza é um item mais complicado, tendo em vista que o Poetrix é um terceto muito conciso. Não dá margem para muita prosa ou explicações.

É muito sutil dentro do contexto em que se apresenta.

É como se ficasse escondida nas entrelinhas do poema. O leitor tem que estar atento à leitura para que a "leveza" não passe despercebida.

No conceito, a palavra "multifacetado" me parece ser a característica fundamental que a definição impõe.

Escrever em três versos uma mensagem que possua muitas facetas, ângulos e lados, não é nada convencional, ainda mais com leveza e precisão.

Quando se diz que algo é multifacetado, a intenção consiste em expressar a condição de pluralidade que está determinada "coisa" possui.

É importante lembrar que uma simples letra, associada ou não a outras, pode representar múltiplos sons na nossa língua.

Vou esmiuçar um Poetrix de minha autoria para explicar a complexidade do conceito.

Vejamos:

Terra

eclipse solar,

anel de fogo

no dedo de Deus

Vamos começar pelo título. Eu posso escrever a palavra "Terra" como também posso escrever "terra". Apenas a letra "T" escrita de forma diferente muda completamente o sentido que queremos dar ao vocábulo. Quando eu digo Terra, estou me referindo ao Planeta Terra. Quando escrevo "terra" estou me referindo ao solo... terra fértil.

No primeiro verso eu digo: "eclipse solar". Eclipses, produzem surpresas, reviravoltas, acontecimentos inesperados - Multifacetados.

No segundo verso, vou mais longe, afirmo "anel de fogo" com precisão e determinação, não deixo dúvida da minha intenção.

No terceiro verso trago a leveza quando digo: "o dedo de Deus", desvendando um fenômeno celeste.

"3.6 RAPIDEZ - máxima concentração da poesia e do pensamento; agilidade, mobilidade, desenvoltura; busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado."

(PC) - Poetrix nesses moldes são únicos, são ímpares, raros. Neles a escrita, os sons e as cores devem estar interligados, pois caminham ombro a ombro.

Vou lançar mão de um Poetrix de minha autoria para exemplificar o conceito.

Alcoólatra

desaba

aos bafos

o bêbado

A leitura é extremamente rápida, são apenas cinco vocábulos distribuídos em seus três versos.

É importante notar a sonoridade que a consoante "b" impõe ao texto.

É justo salientar que a palavra "desaba" trás em si a ideia de barulho, é como se alguma coisa estivesse caindo "em si mesma".

Outro componente importante é a mobilidade que a leitura proporciona ao leitor. É "visível" a cena de um cidadão despencando de sua conduta. Ele vai tropeçando nas próprias pernas. É um desgoverno total e inevitável que se processa na cabeça do leitor.

Outro exemplo:

Trégua!

(Goulart Gomes)

tu matas

porque não

(h)ammas

O título já diz tudo. A leitura é instantânea. É possível imaginar bombas, tiros, canhões. Corpos estendidos pelo chão - horror!!! horror!!!

Aborto

(Hércio Afonso)

fi-lo

não qui-lo

desfi-lo

Destaco aqui, a "mobilidade do texto". A cena é real: gravidez-feto-morte.

Veja também a relevância do som e da grafia que aparece na leitura de cada um dos seus versos.

O poema está perfeitamente dentro do que diz a definição: "todos os elementos são insubstituíveis".

"3.7 EXATIDÃO - busca de uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação."

(PC) - Vou explicar o que compreendo que seja "Exatidão" sob a ótica da Bula Poetrix.

Sem dúvida é um dos princípios mais "terríveis", a meu ver, quase impossível de se conseguir. Um verdadeiro embate poético!

Tercetos nesse nível de complexidade são raros, mas nem por isso devemos deixar de lado tal desafio.

Passei alguns dias procurando em minha mente algo que atendesse a esse requisito. Confesso que encontrei três exemplares. Isto porque a definição foi benevolente ao dizer: "uma linguagem que seja a mais precisa possível".

Vejam:

Devolva-me

      AS

          AS

             AS

(Sônia Godoy)

Este Poetrix tem "a capacidade de traduzir as nuances do pensamento e da imaginação". Ele vai muito além do que está escrito, do que está posto. Isto sem falar que qualquer voo tem que ser exato, preciso, milimétrico.

Vejo no poema o deslumbre de uma águia Harpia voando rente à face do penhasco, qualquer descuido será fatal, não terá volta!

A precisão do poema é tão grande que se ele for escrito na vertical, sua leitura não faria o mesmo sentido. Simplesmente não existe essa possibilidade.

Este poema nos permite inúmeras e inquestionáveis leituras. Provavelmente se enquadra em quase todos os itens da Bula.

É importante que se leia o poema tendo em mente o título. Desta forma cria-se a imagem das asas abertas em voos livres.

Por outro ângulo, posso até imaginar que este seja um pedido de socorro.

Ou ainda...Um "por favor": devolva-me a liberdade, preciso voar, buscar outros mundos.

Vejam o que disse a própria autora - Sônia Godoy.

"Estava apaixonada, fui abrindo mão de tudo, perdendo as asas. Finalmente tentei voar, voar pra longe (mas não conseguia), assim descobri que as asas são formadas por "as" e mais "as". Daí ...foi só gritar, gritar: Devolva-me as asas, como se a culpa da minha incapacidade fosse ele".

Outro exemplo, de minha autoria:

Ciclo vicioso

           S

       S  O  S

           S

Vejam que é possível criar imagens novas a partir destes símbolos. Por exemplo: Socorro! Help!

Este é um terceto preciso. No sentido de exatidão, não no sentido léxico.

Vejam o comentário de Goulart Gomes, o criador do Poetrix.

"Transmite a ideia/sensação de alguém andando em círculo, sozinho e pedindo socorro. A onomatopeia Ssssss remete a sussurro, ou pedido de silêncio. É o ápice do minimalismo! Genial. Esse Poetrix visual eu queria ter escrito!"

 

Outro exemplo:

(má)(temática)

(Ângela Bretas)

não adiciono

sou

sub(traída)

É interessante notar a exatidão das palavras no sentido léxico, ela é cristalina, latente, poderosa.

É imperativo que se observe o conjunto das palavras das quais a autora lançou mão para desenvolver sua ideia.

Neste exemplo ela deixa evidente que a relação acabou, não esconde nada. É categórica ao afirmar: "sou traída", "não adiciono", é "má a temática". Sem dúvida é uma verdadeira sequência de fatos muito bem articulados e coerentes.

"3.8 VISIBILIDADE: qualidade de expressar e pensar imagens, colocando visões em foco; reflexo da qualidade imagética do Poetrix, em cor, sombra, contorno e perspectiva; é o substantivar da poesia."

(PC) - Este é um item interessante e complexo.

Quando mais consigo perceber e entender a visibilidade é através da poesia concreta, onde os símbolos falam mais alto do que propriamente as palavras.

É preciso muita concentração e um grande apego ao que propuseram os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos.

Temos que pensar que o aspecto gráfico do poema é o seu elemento central.

A representação imagética é o significado ou simbolismo que uma imagem possui. Veja que estamos falando em imagens poéticas. Algo grandioso e denso. Portanto, é possível e genial quando um poema, mesmo não sendo concreto, tem a capacidade de produzir a imagem... na mente do leitor.

Novamente recorrerei a um Senryú (de Millôr Fernandes) para ilustrar:

na poça da rua

o vira-lata

lambe a lua

Para exemplificar a outra possibilidade sobre a qual falava, vou utilizar um Poetrix concreto, de minha autoria.

N(amor)o

     -->

   <--

 --><--

O título por si só, já nos dá uma direção do que será o desenrolar da trama. É, sem sombra de dúvida, o foco central da ideia. Ele está revestido de uma perspectiva que será concretizada a seguir.

No primeiro verso eu tenho, subliminarmente, a concepção de uma suposta pessoa que está caminhando para o leste.

No segundo verso, ocorre o contrário, uma outra pessoa caminhando para o oeste. O que pressupõe um flerte: relação amorosa mais ou menos casta, leve e inconsequente, geralmente destituída de sentimentos profundos.

No terceiro verso vem a concretização do que está dito no título: namoro.

As pessoas caminharam uma na direção da outra, e se encontraram, iniciando assim uma relação amorosa.

Para uma melhor visualização eu poderia ter digitado as setas (indivíduos) em cores distintas, por exemplo: uma em preto e a outra em vermelho. Esta seria mais uma das opções de visibilidade - possível.

"3.9 MULTIPLICIDADE - expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações e criando novas formas."

(PC) - Este é um dos elementos mais sofisticados da Bula Poetrix. Tanto sua compreensão quanto sua execução exigem um esforço adicional do autor que se aventura a escrever Poetrix.

É preciso recorrer a artifícios de escrita não convencionais. Como exemplos: o uso de parênteses, símbolos, paródias e outros.

O conceito parece simples, mas na hora da composição ele se agiganta,

as dificuldades aparecem a todo instante.

O que acaba fazendo com que o caminho não seja "singelo" para os que estão iniciando na arte de escrever Poetrix.

Mais um exemplo de minha autoria.

Água_benta

sara(cura),

preciso...

três potes! três potes!

Vou partir do título.

A água é um símbolo universal. A "água benta" é sacramental e concede às pessoas e aos objetos aspergidos, proteção contra os espíritos infernais. É notório o duplo sentido que foi dado à palavra água.

No segundo verso escrevi "sara(cura)". A intertextualidade aqui fica evidente. Primeiro porque usei o parêntese para dar visibilidade a duas palavras: sara e cura. Para fazer o contraponto com a "água benta" que simboliza a cura, a proteção divina. Numa segunda leitura do primeiro verso podemos ler a palavra "saracura". Uma ave semiaquática pequena, de plumagem preto-acastanhada e branca.

No segundo verso eu digo "preciso...". Para se beneficiar da Água Benta seria preciso que se tomasse "três potes".

Observação: a expressão "três potes" no terceiro verso representa o canto da saracura. O canto é bem alto (e preciso - do segundo verso) e varia muito de acordo com a região, principalmente no ritmo, no timbre e no compasso. A ave canta anunciando/"pedindo" chuva, o que trás mais uma ligação com a água... Logo, a expressão da pluralidade é enorme.

Veja o que disse Goulart Gomes sobre a precisão/exatidão, reforçando o que foi dito acima.

"Quando o poetrixta dá um título – elemento fundamental - ao seu Poetrix ele transforma o seu texto na sua tradução pessoal daquele conceito a partir do seu universo. A precisão com que ele tratará a sua abordagem fará toda a diferença, pois são o seu pensamento e a sua imaginação, únicos no mundo, que estarão ali representados. Tanto melhor o Poetrix quanto com maior exatidão ele trate o seu tema".

"3.10 CONSISTÊNCIA - através da fuga das obviedades, dos lugares-comuns, buscando expressar-se de forma original. O Poetrix rompe, naturalmente, com antigos esquemas simplificantes e reducionistas e investe num sistema complexo, cujas categorias são opostas à simplicidade: a complexidade, a desordem e a caoticidade, próprias de sistemas não-lineares, capazes de realizar trocas com o meio envolvente."

(PC) - A consistência poética é um imenso desafio, principalmente do ponto de vista da homogeneidade, da coerência, da firmeza, da compacidade e da densidade dos seus elementos constituintes.

Sair do lugar-comum é uma tarefa árdua, é preciso estar totalmente imbuído do que se está desejando. É preciso ainda, conhecer os mínimos detalhes e regras do Poetrix para que não se caia na vala comum.

Abaixo nós temos como exemplo um Poetrix da poeta Aila Magalhães.

Vou explicar como o conceito "Consistência" se aplica ao terceto.

divi_dida

não queria

ser deus,

só duas...

O título "divi_dida" já foge do que é comum. O usual seria se a autora tivesse escrito "dividida". Este detalhe impõe uma leitura diferenciada. É já uma estratégia para a articulação do texto.

O título é uma síntese do tema. Ele nomeia o poema, estabelece vínculos com informações textuais e extratextuais. Contribui para a orientação da conclusão a que o leitor deverá chegar.

Dito isto, vamos ao texto.

Vejam que o poema é muito pequeno, de poucas palavras, mas de um alcance enorme.

É importante observar que a palavra "deus" foi escrita com letra minúscula, servindo apenas como uma referência ao fato de ela não querer ser somente mais uma na multidão.

Um poema consistente, ou seja, com versos bem ajustados, coesos, com "peso" no sentido poético.

Vale dizer ainda que o poema não sugere a troca de lugar entre um ser humano uma divindade.

   

"4 INDICAÇÕES:

4.1 EXPLORAR O PODER DO TÍTULO, para o qual não há limite de sílabas. Uma das grandes vantagens do Poetrix é a existência do título, que habitualmente não existe no Hai-cai."

(PC) - Sem sombra de dúvida essa é uma das melhores sacadas do Poetrix. Até porque o título é sua marca registrada. É ele que o diferencia dos demais tercetos, muito embora, encontremos, com uma certa dificuldade, Hai-cai com título. Posso citar como exemplos os Hai-cai do grande poeta Guilherme de Almeida.

No entanto, o título mal colocado...põe em risco toda a composição, e pode levar o leitor a erros na interpretação.

"4.2 MINIMALIZAR. Eliminar todas as palavras que estão sobrando. Escrever um Poetrix é lapidar um diamante. Raramente um texto está pronto em sua primeira versão. É necessário, sempre, aprimorá-lo."

(PC) - Essa é uma tarefa a ser praticada no dia a dia e só se consegue com o tempo.

Para ajudar a resolver esse entrave, criamos o que chamamos de Berlinda. O autor do Poetrix oferece seu poema para ser lapidado, enxugado, sabatinado por outros poetas. Ao final, ele pode aceitar ou não as colocações e/ou sugestões que foram postas. O aceite é voluntário.

"4.3 PESQUISAR. Uma ideia original pode ser enriquecida com informações complementares, ampliando-a em conteúdo e significado."

(PC) - Pesquisar sobre algo sempre poderá enriquecer a composição poética, sem dúvida.

A única ressalva que colocaria seria quanto a "consulta" a poemas de outras pessoas. Acho complicada esta manobra, tenho receio quanto ao plágio. Não me sinto confortável quando alguém me diz: "seu Poetrix me lembrou fulano". Mas não deixa de ser uma alternativa se for utilizada apenas como aprendizado e inspiração.

"4.4 UTILIZAR FIGURAS DE LINGUAGEM. Em todas as formas poéticas, o uso de figuras de linguagem, metáforas, tropos e imagens enriquecem bastante o texto."

(PC) - As figuras de linguagem fazem bem a qualquer texto, são sempre bem-vindas e me agradam muito.

"4.5 PERMITIR QUE O NÃO-DITO FALE. Evite menosprezar a inteligência e a perspicácia do leitor. O Poetrix deve instigá-lo a buscar significados nas entrelinhas, a descobrir outros contextos e sentidos."

(PC) - Este é um item sofisticado. É preciso estar atento a cada palavra do texto, a cada imagem que se quer construir. Com certeza também muito importante e bonito.

"5 CONTRA-INDICAÇÕES:"

(PC) - Aqui aparecem os grandes riscos do Poetrix. É preciso que estejamos atentos a todos itens da Bula, para que não venhamos a cair em armadilhas e conceitos equivocados.

"5.1 EVITAR AS ORAÇÕES COORDENADAS. Um Poetrix não é uma frase fragmentada em três partes."

(PC) - Este item, sem sombra de dúvida, é o ponto mais sutil e "perverso" do Poetrix. Muito se tem falado sobre isto. É uma questão inclusive de discórdia entre alguns poetrixtas. Deve ser considerada e analisada com cuidado.

O problema é que existem inúmeros "Poetrix" belíssimos que são frases fracionadas, intencionalmente ou não. E não há o que se discutir quanto a fatos concretos.

Acredito que a Academia Internacional Poetrix -AIP deva se posicionar sobre esta "pendenga".

Na minha opinião, deveria haver um meio termo, apesar de reconhecer que isto é complicado.

A Academia pode não reconhecer esses "Poetrix", porém, quanto a eles  deixarem de existir, tenho minhas dúvidas!

Sou suspeito para falar sobre este assunto, até porque, tenho vários escritos e publicados desta forma.

"5.2 NÃO CONFUNDIR POETRIX COM Hai-cai. Para isso, é importante conhecer, também, os fundamentos do Hai-cai, que tem suas próprias características."

(PC) - Este é um dos pontos mais estreitos da Bula Poetrix. A linha que os separa é muito tênue.

O grande diferencial está na obrigatoriedade do título no Poetrix. Ainda assim, encontramos Hai-cai com títulos.

Outras diferenças são: no Hai-cai não se usa rimas (teoricamente) e a quantidade de sílabas são distintas entre eles.

"5.3 CONJUNÇÕES EMPOBRECEM O POETRIX: mas, contudo, porém, todavia, não obstante, entretanto, no entanto, pois, geralmente não servem para nada em um Poetrix, podendo ser eliminadas sem prejudicar o texto."

(PC) - As conjunções realmente não fazem sentido no Poetrix, são totalmente dispensáveis e inoportunas, por conta da concisão.

"5.4 NÃO FORÇAR RIMAS. Poetrix não é trova. Às vezes pode-se dispensar completamente uma rima utilizando-se bem o ritmo, a sonoridade e a riqueza semântica das palavras."

(PC) - A rima, em especial no último verso, na minha percepção, empobrece o poema. Ele fica previsível.

No primeiro e segundo versos, acho interessantes.

No mesmo verso, acho mais bonito e criativo!

Mas há que se cuidar sempre da qualidade...das rimas.

"5.5 POETRIX NÃO É PROVÉRBIO, MUITO MENOS DEFINIÇÃO. Muito menos, frase de para-choque de caminhão."

(PC) - Frase de para-choque de caminhão, para mim, é Dístico. Raramente vejo Poetrix com essa conotação.

"6 FORMAS MÚLTIPLAS:

As Formas Múltiplas são derivações do POETRIX, provocadas pela intertextualidade. São formas múltiplas identificadas e reconhecidas pelo MIP: Duplix, Triplix, Multiplix, Grafitrix, Videotrix, Clonix, Letrix, Palavratrix, Acrostrix e Tautotrix. Informações sobre cada uma delas podem ser encontradas na homepage do MIP".

(PC) - As Formulas Múltiplas são derivações do Poetrix aceitas pela Academia internacional do Poetrix - AIP. Creio que mereçam um capítulo a parte, por isso, não falarei sobre elas neste momento.

(PC) 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Penso que um ponto importante a ser abordado na Bula, futuramente, é a questão da pontuação. Na minha percepção os Poetrix que são pontuados ampliam o entendimento, a pontuação faz com que o texto fique mais claro. Há quem afirme que os sinais de pontuação marcam pausa e melodia ao mesmo tempo. O que é bom e desejável para o Poetrix. Claro que em alguns casos ela é totalmente desnecessária.

Entretanto, muitos poetrixtas não pontuam seus escritos. É uma questão de estilo. Outros talvez prefiram "deixar para o leitor essa função". Neste caso, o leitor fará a sua própria leitura, que pode ser distinta daquela que o autor idealizou. O que não é exatamente bom ou ruim.

Pois bem, este é um ponto que poderá ser discutido entre os Acadêmicos, até para que busquemos um consenso a esse respeito.

Espero que este trabalho, com os exemplos e comentários que foram colocados, sirva para que possamos fazer uma "Roda de Leitura" sobre a Bula. Para que possamos (re)discutir os itens que foram analisados.

Não tenho a pretensão de que este seja um trabalho final e nem que a Bula seja alterada.

Aceito, de coração, todas as críticas, observações e novos exemplos, caso achem pertinentes e necessários.

Em tempo...

Este é mais um desafio que propus, a mim mesmo, na esperança de oferecer aos iniciantes no gênero um Norte, um atalho, para suas composições e leituras.

Uma das minhas paixões em relação ao Poetrix, é escrever sobre ele. Para minha felicidade os assuntos são inesgotáveis e desafiadores.

Observação: boa parte dos exemplos citados são de minha autoria. As escolhas foram feitas apenas por comodidade e busca de adaptação ao que estava sendo abordado naquele momento.

No mais, um grande abraço,

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso

BULA POETRIX - Comentada1ª - O Hai-cai é uma pérola.

2ª - O Poetrix é uma pílula.

(PC)- Para mim, são duas epígrafes bastante apropriadas aos temas. Duas inscrições criadas por Goulart Gomes.

Mais uma.

3ª (PC)- O Poetrix não cabe no Cale-se.

Esta terceira é minha.

Inicio com um esclarecimento fundamental, para que fique claro para todos o que me propus a fazer neste texto. Onde lê-se (PC), entenda-se que são as minhas falas. O mais, são os próprios textos retirados da Bula Poetrix.

"Em 2009 o POETRIX completou 10 anos de sua criação. Nesse período ele obteve uma significativa propagação no Brasil, Portugal e em outros países de língua latina.

Com o objetivo de melhor defini-lo, estabelecendo critérios quanto à sua forma e conteúdo que possam orientar mais precisamente os seus autores - os poetrixtas – a Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix (MIP) divulga, agora, esta BULA POETRIX, conjunto de orientações para o aperfeiçoamento e uniformização desse gênero literário."

PC - Estamos em pleno ano de 2021. O Poetrix está completando 21 anos de sua existência, por isso resolvi escrever uma Bula Poetrix que fosse comentada.

Acredito que as inserções e exemplos, que serão postados, poderão, de alguma maneira, auxiliar àqueles que estão dando seus primeiros passos na construção e concretização do gênero Poetrix.

Com certeza não esgotarei o assunto. Nem tenho essa pretensão. Mas desejo acrescentar alguns passos importantes e os destrinchar.

 

"1 POETRIX – Informações Técnicas.

CONCEITO:

Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título."

(PC) - O conceito é sucinto e claro.

Não vejo a necessidade de nenhuma alteração ou reparo que seja significativo e relevante.

"2 CARACTERÍSTICAS:

2.1 O Poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas."

(PC)- Este é o grande foco de todos aqueles que gostam e escrevem Poetrix.

Nada melhor que vislumbrar uma ideia interessante e elaborá-la em um contexto que seja compatível com a linguagem minimalista.

"2.2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor."

(PC) -O título é obrigatório no Poetrix. É ele que norteia o leitor, que nomeia o texto.

Particularmente, não gosto da possibilidade do título fazer parte do texto. Quando isto ocorre, o poema fica com o aspecto da Quadra. Quem não conhece o Poetrix, nos seus mínimos segredos e detalhes, pode confundir esses dois instigantes gêneros. Principalmente se o primeiro verso do Poetrix, rimar com o terceiro.

Mas não vejo esta questão como um problema a ser resolvido. Isto é mais uma questão de "necessidade" no momento da criação do Poetrix. Às vezes os três versos não dão liga... precisam de um reforço adicional.

"2.3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável."

(PC) - Veja bem... não existe rigor quanto ao número de sílabas métricas entre os versos, mas é bom lembrar que o total não pode passar de 30 sílabas métricas.

A preocupação com o número de sílabas geralmente ocorre quando o autor está começando a escrever Poetrix, porém, logo ele percebe que o que faz a diferença, é a concisão e não o número de sílabas por si só.

As rimas são livres, mas devo confessar que não me agradam muito. A não ser que sejam rimas ricas e raras.

Fico inquieto e relutante, quando são feitas com o terceiro verso, penso que enfraquecem o texto. Sinto que elas colocam um ponto final na composição.

Acho menos danoso quando se situam entre o primeiro e segundo verso ou quando ocorrem no interior de um dos versos.

"2.4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do Poetrix."

(PC) - A metáfora é uma das grandes sacadas do Poetrix. Na maioria das vezes é ela que dá brilho ao texto. É ela que permite estabelecer uma relação de comparação.

Vale dizer que não é algo muito simples de se elaborar, devido a concisão que o autor almeja e o Poetrix "exige".

"2.5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais."

(PC) - A interação é como a empatia. O leitor tem que se identificar com o texto, ele precisa absorver o que o autor sente, o que autor quer que ele veja nos conteúdos "dissimulados" e/ou nas mensagens visuais ou auditivas que ficam escondidas nele e que devem entrar no subconsciente da pessoa que é exposta à mensagem em questão.

Em tempo... ter empatia é ter a capacidade de se colocar no lugar do outro.

"2.6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente."

(PC) - Aqui não tenho muito o que falar. Os tempos verbais permitem ao autor indicar na sua fala se algo já ocorreu ou não.

"2.7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense)."

(PC) - Este é um conceito que me lembra o Teatro do Absurdo, com enredos sem possibilidade de existirem na vida real ou, ainda, o movimento Dadaísta, que é desprovido de significação lógica ou coerência.

Pode ser visto também como condutas contrárias ao bom senso.

"2.8 O Poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado."

(PC) - Este é um dos grandes mistérios/encantos do Poetrix. Sem essa condição ele ficaria meio que "sem sal", sem Norte.

As palavras e o enredo, devem conter, se possível, vários significados, várias cenas. Sem falar nas sensações e estímulos que são produzidos através da visão, da audição e do tato.

"3 COMPOSIÇÃO:

O POETRIX deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino."

(PC) - As propostas de Ítalo Calvino na verdade são seis, porém, na Bula foram acrescidas mais quatro, para dar mais flexibilidade ao poema, fazendo com que possa ficar mais abrangente.

"3.1 CONCISÃO - o mínimo é o máximo. O importante é dizer muito, falando pouco. O Poetrix é uma pílula, que tem seu propósito determinado; é um projétil em direção ao alvo."

(PC) - A concisão é um princípio intrínseco ao minimalismo, por isso, o mais usado é mais comum de se ver nos Poetrix, até porque, se passar das 30 sílabas poéticas, deixa de ser Poetrix. Nem por isso, é algo simples e fácil de se executar. Muitos são os que se perdem nesse quesito, com títulos e textos longos.

Um princípio importantíssimo e charmoso.

Provavelmente essa tenha sido a primeira ideia que chegou à cabeça do poeta Goulart Gomes, quando começou a rascunhar seus primeiros Poetrix.

Vejam e confirmem comigo a concisão e beleza, dos seguintes Poetrix.

Chuva no meu deserto

(Rosângela Trajano)

havia sede em mim

não conhecia rios

hoje sou poça d'água

Outro exemplo:

Sonho

(Bijuka Camargo)

vestida de lírio

adormeceu no campo

acordou libélula

Um título enxuto, uma estética interessante... um bom e coeso Poetrix. Todos os versos estão entrelaçados: lírio, campo e libélula.

Outro exemplo:

Chuvas pelas quais dancei

(Andréa Abdala)

guardei

tempestades em mim

hoje sou água corrente

Título extenso, porém não compromete o poema. Está inserido no contexto.

 

"3.2 SALTO - é a metamorfose da ideia inicial, provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova perspectiva de compreensão do Poetrix."

(PC) - O Poetrix é um terceto que nos oferece inúmeras variações, é uma arte minimalista que vem agradando, a cada dia mais, aos amantes da boa poesia.

Uma das características mais importantes deste novo modo de escrever tercetos é o que chamamos de Salto. Uma das Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino.

Quando falo em Salto, logo me lembro de Franz Kafka, com sua Metamorfose, que consiste, no caso do Poetrix, na transmutação de uma ideia inicial, de forma que ela possa ganhar um novo sentido.

O Salto precisa nos levar à mais instigante simbologia que a ideia possa vir a ter.

É onde a malícia do detalhe nos impõe uma criação diferenciada e própria.

Sem falar na rapidez e na concisão que o contexto exige.

É importante salientar que cada palavra do texto deve configurar, sempre que possível, uma surpresa diferente e metafórica.

O leitor tem que ser surpreendido a cada leitura, por se tratar de um poema muito pequeno.

As palavras devem ter sentido duvidoso, devem inferir duplo sentido.

O Salto deve surgir na mente do leitor como cacos de espelhos, onde os fatos se multiplicam. Deve reverberar, na cabeça dele, pelo menos por alguns segundos.

Um exemplo:

N(amor)o

(Pedro Cardoso)

eu sou

ela lua

nós...quarto crescente

O Salto já começa pelo título, onde faço um jogo entre as palavras "namoro" e "amor". São dois vocábulos distintos e consagrados por todos nós. Na verdade, um salto dentro do outro.

No primeiro verso eu poderia ter escrito "eu sol" e não "eu sou". Aqui o leitor já se vê confrontado, provocado, instigado. E, assim, é convidado para a conversa.

No terceiro verso eu digo que "nós...quarto crescente" ou seja, a relação está em crescimento.

Quando me refiro ao "quarto" sugiro que o amor esteja sendo, realmente, iluminado pelo sol. E entre quatro paredes, na intimidade.

Vejam que existem "n" informações e transformações de palavras e situações. As cenas vão se desdobrando à medida que a leitura vai fluindo e ganhando forma.

O poema permite inúmeras interpretações. Está, a meu ver, é apenas uma delas.

Outro exemplo:

Fingidor

(Pedro Cardoso)

pode tudo

pode nada

"podi crê"

Fernando Pessoa disse que todo poeta é um fingidor. Por isso eu digo que ele pode tudo, como também não pode nada.

O Salto aparece no terceiro verso com "podi crê".

Esta é uma expressão idiomática usada algumas vezes na realidade jovem suburbana brasileira, com o significado de: "acredite" ou "confie em mim".

No primeiro e segundo versos eu disse: pode tudo - pode nada. Vejam que no terceiro verso aconteceu um acréscimo de significado à ideia inicial: confie em mim!

Grávida

(Pedro Cardoso)

do outro lado da rua

a barriga cresce,

é a boca faminta da menina

Vejam que o Salto aqui é bem sutil, ele aparece no terceiro verso.

A palavra "menina" tem duplo sentido. Pode-se ler que é a barriga da mãe crescendo, como também que é a menina, que está dentro do útero, que está se desenvolvendo.

Outros exemplos:

Cara metade

(Sara Fazib)

melhor par não faria

eu e essa minha falta

de companhia

Sonsas

(Lílian Maial)

estrelas

não dizem a verdade.

elas piscam

Maestro

(Dreyf)

quando me toca

todos ouvem

até Beethoven

Separ(a)ção

(Pedro Cardoso)

a dor era tanta

que até os ossos

me pareciam tristes

"3.3 Susto - é o elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor; é a fuga do lugar-comum, da obviedade, que desconstrói e amplia horizontes, mostrando outros caminhos, possibilidades, contextos."

(PC) - O Susto é um dos princípios que dá vida a esse novo gênero da poesia minimalista. (Digo novo no sentido de que ele só tem 21 anos de idade. Assim, acaba de atingir a tão sonhada maioridade).

É mais um dos itens inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino. Acredito que seja um dos menos utilizados por todos aqueles que escrevem tercetos. Parece ser um dos mais fáceis... ledo engano! Exige sagacidade do autor.

Ele precisa ficar bem destacado para que o leitor perceba de imediato o inesperado, a surpresa, o baque.

Não precisa de subterfúgios.

Por vezes pode invocar até "medo", provocado por uma circunstância ameaçadora ou imprevista.

Pode parecer estranho, mas vou postar um exemplo que fui buscar no Senryú, "o primo pobre do Hai-cai", porque ele não deixa dúvida quanto ao Susto, que é proporcional ao fato.

Vejam:

o ladrão:

quando eu o pego,

eis meu filho

(Senryù Karai)

O susto é evidente. O impacto da leitura é direto. Não precisa de máscara, duplicidade, nem metáfora... nada disso!

Mais um exemplo pode ver visto no seguinte Poetrix:

Reza a lenda

(Michael Douglas)

além do universo

nos dias de folga

Deus brinca de astronauta

"Deus brinca de astronauta". Não sei onde o autor foi buscar esta pérola. Sem dúvida, um belo susto!

"3.4 SEMÂNTICA - exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo a possibilidade de variadas leituras ou interpretações."

(PC) - "A semântica é a interpretação dos significados das palavras, frases ou expressões dentro de um específico contexto." Para melhor explorar este item vou escrever dois Poetrix:

Fugaz

Maria é flor,

José é um gato...

de sete léguas

No primeiro verso eu disse: "Maria é flor". Notem que estou dando um novo significado à Maria, estou dizendo que ela é uma "flor", um encanto. A palavra "flor" pode ser lida de várias formas ou sentidos. Eu poderia ter dito que Maria é uma Santa.

No segundo verso usei da mesma artimanha. Poderia ter dito que José é um gato lindo!

Outro exemplo:

Beijo

a boca é uma faca

dois gumes...

incandescentes

"3.5 LEVEZA - jeito multifacetado de utilização da linguagem. Nesse sentido, o uso de imagens sutis deve trazer leveza, precisão e determinação ao Poetrix e, com isso, provocar, no leitor, a abertura de renovadas construções mentais impregnadas de imprecisões e indeterminações, de novas possibilidades de interpretar a realidade, de desanuviar a opacidade do mundo."

(PC) - Leveza é um item mais complicado, tendo em vista que o Poetrix é um terceto muito conciso. Não dá margem para muita prosa ou explicações.

É muito sutil dentro do contexto em que se apresenta.

É como se ficasse escondida nas entrelinhas do poema. O leitor tem que estar atento à leitura para que a "leveza" não passe despercebida.

No conceito, a palavra "multifacetado" me parece ser a característica fundamental que a definição impõe.

Escrever em três versos uma mensagem que possua muitas facetas, ângulos e lados, não é nada convencional, ainda mais com leveza e precisão.

Quando se diz que algo é multifacetado, a intenção consiste em expressar a condição de pluralidade que está determinada "coisa" possui.

É importante lembrar que uma simples letra, associada ou não a outras, pode representar múltiplos sons na nossa língua.

Vou esmiuçar um Poetrix de minha autoria para explicar a complexidade do conceito.

Vejamos:

Terra

eclipse solar,

anel de fogo

no dedo de Deus

Vamos começar pelo título. Eu posso escrever a palavra "Terra" como também posso escrever "terra". Apenas a letra "T" escrita de forma diferente muda completamente o sentido que queremos dar ao vocábulo. Quando eu digo Terra, estou me referindo ao Planeta Terra. Quando escrevo "terra" estou me referindo ao solo... terra fértil.

No primeiro verso eu digo: "eclipse solar". Eclipses, produzem surpresas, reviravoltas, acontecimentos inesperados - Multifacetados.

No segundo verso, vou mais longe, afirmo "anel de fogo" com precisão e determinação, não deixo dúvida da minha intenção.

No terceiro verso trago a leveza quando digo: "o dedo de Deus", desvendando um fenômeno celeste.

"3.6 RAPIDEZ - máxima concentração da poesia e do pensamento; agilidade, mobilidade, desenvoltura; busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado."

(PC) - Poetrix nesses moldes são únicos, são ímpares e raros. Neles a escrita, os sons e as cores devem estar interligados, pois caminham ombro a ombro.

Vou lançar mão de um Poetrix de minha autoria para exemplificar o conceito.

Alcoólatra

desaba

aos bafos

o bêbado

A leitura é extremamente rápida, são apenas cinco vocábulos distribuídos em seus três versos.

É importante notar a sonoridade que a consoante "b" impõe ao texto.

É justo salientar que a palavra "desaba" trás em si a ideia de barulho, é como se alguma coisa estivesse caindo "em si mesma".

Outro componente importante é a mobilidade que a leitura proporciona ao leitor. É "visível" a cena de um cidadão despencando de sua conduta. Ele vai tropeçando nas próprias pernas. É um desgoverno total e inevitável que se processa na cabeça do leitor.

Outro exemplo:

Trégua!

(Goulart Gomes)

tu matas

porque não

(h)ammas

O título já diz tudo. A leitura é instantânea. É possível imaginar bombas, tiros, canhões. Corpos estendidos pelo chão - horror!!! horror!!!

Aborto

(Hércio Afonso)

fi-lo

não qui-lo

desfi-lo

Destaco aqui, a "mobilidade do texto". A cena é real: gravidez-feto-morte.

Veja também a relevância do som e da grafia que aparece na leitura de cada um dos seus versos.

O poema está perfeitamente dentro do que diz a definição: "todos os elementos são insubstituíveis".

"3.7 EXATIDÃO - busca de uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação."

(PC) - Vou explicar o que compreendo que seja "Exatidão" sob a ótica da Bula Poetrix.

Sem dúvida é um dos princípios mais "terríveis", a meu ver, quase impossível de se conseguir. Um verdadeiro embate poético!

Tercetos nesse nível de complexidade são raros, mas nem por isso devemos deixar de lado tal desafio.

Passei alguns dias procurando em minha mente algo que atendesse a esse requisito. Confesso que encontrei três exemplares. Isto porque a definição foi benevolente ao dizer: "uma linguagem que seja a mais precisa possível".

Vejam:

Devolva-me

      AS

          AS

             AS

(Sônia Godoy)

Este Poetrix tem "a capacidade de traduzir as nuances do pensamento e da imaginação". Ele vai muito além do que está escrito, do que está posto. Isto sem falar que qualquer voo tem que ser exato, preciso, milimétrico.

Vejo no poema o deslumbre de uma águia Harpia voando rente à face do penhasco, qualquer descuido será fatal, não terá volta!

A precisão do poema é tão grande que se ele for escrito na vertical, sua leitura não faria o mesmo sentido. Simplesmente não existe essa possibilidade.

Este poema nos permite inúmeras e inquestionáveis leituras. Provavelmente se enquadra em quase todos os itens da Bula.

É importante que se leia o poema tendo em mente o título. Desta forma cria-se a imagem das asas abertas em voos livres.

Por outro ângulo, posso até imaginar que este seja um pedido de socorro.

Ou ainda...Um "por favor": devolva-me a liberdade, preciso voar, buscar outros mundos.

Vejam o que disse a própria autora - Sônia Godoy.

"Estava apaixonada, fui abrindo mão de tudo, perdendo as asas. Finalmente tentei voar, voar pra longe (mas não conseguia), assim descobri que as asas são formadas por "as" e mais "as". Daí ...foi só gritar, gritar: Devolva-me as asas, como se a culpa da minha incapacidade fosse ele".

Outro exemplo, de minha autoria:

Ciclo vicioso

           S

       S  O  S

           S

Vejam que é possível criar imagens novas a partir destes símbolos. Por exemplo: Socorro! Help!

Este é um terceto preciso. No sentido de exatidão, não no sentido léxico.

Vejam o comentário de Goulart Gomes, o criador do Poetrix.

"Transmite a ideia/sensação de alguém andando em círculo, sozinho e pedindo socorro. A onomatopeia Ssssss remete a sussurro, ou pedido de silêncio. É o ápice do minimalismo! Genial. Esse Poetrix visual eu queria ter escrito!"

 

Outro exemplo:

(má)(temática)

(Ângela Bretas)

não adiciono

sou

sub(traída)

É interessante notar a exatidão das palavras no sentido léxico, ela é cristalina, latente, poderosa.

É imperativo que se observe o conjunto das palavras das quais a autora lançou mão para desenvolver sua ideia.

Neste exemplo ela deixa evidente que a relação acabou, não esconde nada. É categórica ao afirmar: "sou traída", "não adiciono", é "má a temática". Sem dúvida é uma verdadeira sequência de fatos muito bem articulados e coerentes.

"3.8 VISIBILIDADE: qualidade de expressar e pensar imagens, colocando visões em foco; reflexo da qualidade imagética do Poetrix, em cor, sombra, contorno e perspectiva; é o substantivar da poesia."

(PC) - Este é um item interessante e complexo.

Quando mais consigo perceber e entender a visibilidade é através da poesia concreta, onde os símbolos falam mais alto do que propriamente as palavras.

É preciso muita concentração e um grande apego ao que propuseram os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos.

Temos que pensar que o aspecto gráfico do poema é o seu elemento central.

A representação imagética é o significado ou simbolismo que uma imagem possui. Veja que estamos falando em imagens poéticas. Algo grandioso e denso. Portanto, é possível e genial quando um poema, mesmo não sendo concreto, tem a capacidade de produzir a imagem... na mente do leitor.

Novamente recorrerei a um Senryú (de Millôr Fernandes) para ilustrar:

na poça da rua

o vira-lata

lambe a lua

Para exemplificar a outra possibilidade sobre a qual falava, vou utilizar um Poetrix concreto, de minha autoria.

N(amor)o

     -->

   <--

 --><--

O título por si só, já nos dá uma direção do que será o desenrolar da trama. É, sem sombra de dúvida, o foco central da ideia. Ele está revestido de uma perspectiva que será concretizada a seguir.

No primeiro verso eu tenho, subliminarmente, a concepção de uma suposta pessoa que está caminhando para o leste.

No segundo verso, ocorre o contrário, uma outra pessoa caminhando para o oeste. O que pressupõe um flerte: relação amorosa mais ou menos casta, leve e inconsequente, geralmente destituída de sentimentos profundos.

No terceiro verso vem a concretização do que está dito no título: namoro.

As pessoas caminharam uma na direção da outra, e se encontraram, iniciando assim uma relação amorosa.

Para uma melhor visualização eu poderia ter digitado as setas (indivíduos) em cores distintas, por exemplo: uma em preto e a outra em vermelho. Esta seria mais uma das opções de visibilidade - possível.

"3.9 MULTIPLICIDADE - expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações e criando novas formas."

(PC) - Este é um dos elementos mais sofisticados da Bula Poetrix. Tanto sua compreensão quanto sua execução exigem um esforço adicional do autor que se aventura a escrever Poetrix.

É preciso recorrer a artifícios de escrita não convencionais. Como exemplos: o uso de parênteses, símbolos, paródias e outros.

O conceito parece simples, mas na hora da composição ele se agiganta,

as dificuldades aparecem a todo instante.

O que acaba fazendo com que o caminho não seja "singelo" para os que estão iniciando na arte de escrever Poetrix.

Mais um exemplo de minha autoria.

Água_benta

sara(cura),

preciso...

três potes! três potes!

Vou partir do título.

A água é um símbolo universal. A "água benta" é sacramental e concede às pessoas e aos objetos aspergidos, proteção contra os espíritos infernais. É notório o duplo sentido que foi dado à palavra água.

No segundo verso escrevi "sara(cura)". A intertextualidade aqui fica evidente. Primeiro porque usei o parêntese para dar visibilidade a duas palavras: sara e cura. Para fazer o contraponto com a "água benta" que simboliza a cura, a proteção divina. Numa segunda leitura do primeiro verso podemos ler a palavra "saracura". Uma ave semiaquática pequena, de plumagem preto-acastanhada e branca.

No segundo verso eu digo "preciso...". Para se beneficiar da Água Benta seria preciso que se tomasse "três potes".

Observação: a expressão "três potes" no terceiro verso representa o canto da saracura. O canto é bem alto (e preciso - do segundo verso) e varia muito de acordo com a região, principalmente no ritmo, no timbre e no compasso. A ave canta anunciando/"pedindo" chuva, o que trás mais uma ligação com a água... Logo, a expressão da pluralidade é enorme.

Veja o que disse Goulart Gomes sobre a precisão/exatidão, reforçando o que foi dito acima.

"Quando o poetrixta dá um título – elemento fundamental - ao seu Poetrix ele transforma o seu texto na sua tradução pessoal daquele conceito a partir do seu universo. A precisão com que ele tratará a sua abordagem fará toda a diferença, pois são o seu pensamento e a sua imaginação, únicos no mundo, que estarão ali representados. Tanto melhor o Poetrix quanto com maior exatidão ele trate o seu tema".

"3.10 CONSISTÊNCIA - através da fuga das obviedades, dos lugares-comuns, buscando expressar-se de forma original. O Poetrix rompe, naturalmente, com antigos esquemas simplificantes e reducionistas e investe num sistema complexo, cujas categorias são opostas à simplicidade: a complexidade, a desordem e a caoticidade, próprias de sistemas não-lineares, capazes de realizar trocas com o meio envolvente."

(PC) - A consistência poética é um imenso desafio, principalmente do ponto de vista da homogeneidade, da coerência, da firmeza, da compacidade e da densidade dos seus elementos constituintes.

Sair do lugar-comum é uma tarefa árdua, é preciso estar totalmente imbuído do que se está desejando. É preciso ainda, conhecer os mínimos detalhes e regras do Poetrix para que não se caia na vala comum.

Abaixo nós temos como exemplo um Poetrix da poeta Aila Magalhães.

Vou explicar como o conceito "Consistência" se aplica ao terceto.

divi_dida

não queria

ser deus,

só duas...

O título "divi_dida" já foge do que é comum. O usual seria se a autora tivesse escrito "dividida". Este detalhe impõe uma leitura diferenciada. É já uma estratégia para a articulação do texto.

O título é uma síntese do tema. Ele nomeia o poema, estabelece vínculos com informações textuais e extratextuais. Contribui para a orientação da conclusão a que o leitor deverá chegar.

Dito isto, vamos ao texto.

Vejam que o poema é muito pequeno, de poucas palavras, mas de um alcance enorme.

É importante observar que a palavra "deus" foi escrita com letra minúscula, servindo apenas como uma referência ao fato de ela não querer ser somente mais uma na multidão.

Um poema consistente, ou seja, com versos bem ajustados, coesos, com "peso" no sentido poético.

Vale dizer ainda que o poema não sugere a troca de lugar entre um ser humano e uma divindade.

   

"4 INDICAÇÕES:

4.1 EXPLORAR O PODER DO TÍTULO, para o qual não há limite de sílabas. Uma das grandes vantagens do Poetrix é a existência do título, que habitualmente não existe no Hai-cai."

(PC) - Sem sombra de dúvida essa é uma das melhores sacadas do Poetrix. Até porque o título é sua marca registrada. É ele que o diferencia dos demais tercetos, muito embora, encontremos, com uma certa dificuldade, Hai-cai com título. Posso citar como exemplos os Hai-cai do grande poeta Guilherme de Almeida.

No entanto, o título mal colocado... põe em risco toda a composição, e pode levar o leitor a erros na interpretação.

"4.2 MINIMALIZAR. Eliminar todas as palavras que estão sobrando. Escrever um Poetrix é lapidar um diamante. Raramente um texto está pronto em sua primeira versão. É necessário, sempre, aprimorá-lo."

(PC) - Essa é uma tarefa a ser praticada no dia a dia e só se consegue com o tempo.

Para ajudar a resolver esse entrave, criamos o que chamamos de Berlinda. O autor do Poetrix oferece seu poema para ser lapidado, enxugado, sabatinado por outros poetas. Ao final, ele pode aceitar ou não as colocações e/ou sugestões que foram postas. O aceite é voluntário.

"4.3 PESQUISAR. Uma ideia original pode ser enriquecida com informações complementares, ampliando-a em conteúdo e significado."

(PC) - Pesquisar sobre algo sempre poderá enriquecer a composição poética, sem dúvida.

A única ressalva que colocaria seria quanto a "consulta" a poemas de outras pessoas. Acho complicada esta manobra, tenho receio quanto ao plágio. Não me sinto confortável quando alguém me diz: "seu Poetrix me lembrou fulano". Mas não deixa de ser uma alternativa se for utilizada apenas como aprendizado e inspiração.

"4.4 UTILIZAR FIGURAS DE LINGUAGEM. Em todas as formas poéticas, o uso de figuras de linguagem, metáforas, tropos e imagens enriquecem bastante o texto."

(PC) - As figuras de linguagem fazem bem a qualquer texto, são sempre bem-vindas e me agradam muito.

"4.5 PERMITIR QUE O NÃO-DITO FALE. Evite menosprezar a inteligência e a perspicácia do leitor. O Poetrix deve instigá-lo a buscar significados nas entrelinhas, a descobrir outros contextos e sentidos."

(PC) - Este é um item sofisticado. É preciso estar atento a cada palavra do texto, a cada imagem que se quer construir. Com certeza também é muito importante e bonito.

"5 CONTRA-INDICAÇÕES:"

(PC) - Aqui aparecem os grandes riscos do Poetrix. É preciso que estejamos atentos a todos os itens da Bula, para que não venhamos a cair em armadilhas e conceitos equivocados.

"5.1 EVITAR AS ORAÇÕES COORDENADAS. Um Poetrix não é uma frase fragmentada em três partes."

(PC) - Este item, sem sombra de dúvida, é o ponto mais sutil e "perverso" do Poetrix. Muito se tem falado sobre isto. É uma questão inclusive de discórdia entre alguns poetrixtas. Deve ser considerada e analisada com cuidado.

O problema é que existem inúmeros "Poetrix" belíssimos que são frases fracionadas, intencionalmente ou não. E não há o que se discutir quanto a fatos concretos.

Acredito que a Academia Internacional Poetrix -AIP deva se posicionar sobre esta "pendenga".

Na minha opinião, deveria haver um meio termo, apesar de reconhecer que isto é complicado.

A Academia pode não reconhecer esses "Poetrix", porém, quanto a eles  deixarem de existir, tenho minhas dúvidas!

Sou suspeito para falar sobre este assunto, até porque, tenho vários escritos e publicados desta forma.

"5.2 NÃO CONFUNDIR POETRIX COM Hai-cai. Para isso, é importante conhecer, também, os fundamentos do Hai-cai, que tem suas próprias características."

(PC) - Este é um dos pontos mais estreitos da Bula Poetrix. A linha que os separa é muito tênue.

O grande diferencial está na obrigatoriedade do título no Poetrix. Ainda assim, encontramos Hai-cai com títulos.

Outras diferenças são: no Hai-cai não se usa rimas (teoricamente) e a quantidade de sílabas são distintas entre eles.

"5.3 CONJUNÇÕES EMPOBRECEM O POETRIX: mas, contudo, porém, todavia, não obstante, entretanto, no entanto, pois, geralmente não servem para nada em um Poetrix, podendo ser eliminadas sem prejudicar o texto."

(PC) - As conjunções realmente não fazem sentido no Poetrix, são totalmente dispensáveis e inoportunas, por conta da concisão.

"5.4 NÃO FORÇAR RIMAS. Poetrix não é trova. Às vezes pode-se dispensar completamente uma rima utilizando-se bem o ritmo, a sonoridade e a riqueza semântica das palavras."

(PC) - A rima, em especial no último verso, na minha percepção, empobrece o poema. Ele fica previsível.

No primeiro e segundo versos, acho interessantes.

No mesmo verso, acho mais bonito e criativo!

Mas há que se cuidar sempre da qualidade... das rimas.

"5.5 POETRIX NÃO É PROVÉRBIO, MUITO MENOS DEFINIÇÃO. Muito menos, frase de para-choque de caminhão."

(PC) - Frase de para-choque de caminhão, para mim, é Dístico. Raramente vejo Poetrix com essa conotação.

"6 FORMAS MÚLTIPLAS:

As Formas Múltiplas são derivações do POETRIX, provocadas pela intertextualidade. São formas múltiplas identificadas e reconhecidas pelo MIP: Duplix, Triplix, Multiplix, Grafitrix, Videotrix, Clonix, Letrix, Palavratrix, Acrostrix e Tautotrix. Informações sobre cada uma delas podem ser encontradas na homepage do MIP".

(PC) - As Fórmulas Múltiplas são derivações do Poetrix aceitas pela Academia Internacional do Poetrix - AIP. Creio que mereçam um capítulo à parte, por isso, não falarei sobre elas neste momento.

(PC) 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Penso que um ponto importante a ser abordado na Bula, futuramente, é a questão da pontuação. Na minha percepção os Poetrix que são pontuados ampliam o entendimento, a pontuação faz com que o texto fique mais claro. Há quem afirme que os sinais de pontuação marcam pausa e melodia ao mesmo tempo. O que é bom e desejável para o Poetrix. Claro que em alguns casos ela é totalmente desnecessária.

Entretanto, muitos poetrixtas não pontuam seus escritos. É uma questão de estilo. Outros talvez prefiram "deixar para o leitor essa função". Neste caso, o leitor fará a sua própria leitura, que pode ser distinta daquela que o autor idealizou. O que não é exatamente bom ou ruim.

Pois bem, este é um ponto que poderá ser discutido entre os Acadêmicos, até para que busquemos um consenso a esse respeito.

Espero que este trabalho, com os exemplos e comentários que foram colocados, sirva para que possamos fazer uma "Roda de Leitura" sobre a Bula. Para que possamos (re)discutir os itens que foram analisados.

Não tenho a pretensão de que este seja um trabalho final e nem que a Bula seja alterada.

Aceito, de coração, todas as críticas, observações e novos exemplos, caso achem pertinentes e necessários.

Em tempo...

Este é mais um desafio que propus, a mim mesmo, na esperança de oferecer aos iniciantes no gênero um Norte, um atalho, para suas composições e leituras.

Uma das minhas paixões em relação ao Poetrix, é escrever sobre ele. Para minha felicidade os assuntos são inesgotáveis e desafiadores.

Observação: boa parte dos exemplos citados são de minha autoria. As escolhas foram feitas apenas por comodidade e busca de adaptação ao que estava sendo abordado naquele momento.

No mais, um grande abraço,

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso 

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 18/10/2021
Reeditado em 27/12/2021
Código do texto: T7366397
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