Pai
Pai
Pai,
Pai do céu eu não Te vejo,
não Te percebo nem Te sinto.
Não Te amo
porque não Te conheço,
mas eu Te quero,
quero muito, Pai.
Eu preciso de Ti,
angustia-me e dói Tua presença não percebida.
Mostre-se, oh Pai!
Nem teus passos mais ouvimos, como o pai Adão,
nem tuas costas vemos, como expusestes para Moisés.
Mostra Tua face, assim como João Te viu,
“quem vê a mim vê o Pai”, ele disse bonito.
Por que não só um pouco, também a mim?
Sinaliza Teu caminho com Tua imagem, com Tua voz,
com Tua própria voz,
não a daqueles que dizem poder falar por Ti, oh Pai,
causando tanta confusão e
dor.
Descobre carinhosamente o manto do Teu mistério,
um pouquinho só – por causa da nossa burrice,
que sabes ser enorme, oh Pai.
Mostra, por favor, mostra
o Teu infinito amor
como Tu és
como fizeste para Tereza
Francisco
Inácio
para o bondoso Papa João,
para os magos, infiéis, que seguindo uma estrela
souberam Te encontrar, pequenininho,
para Miloca, a minha babá,
para os milhões de miseráveis de todo o mundo
que estão a Te esperar, pacientemente, há séculos,
e só conseguem sobreviver porque Te enxergam,
naturalmente, em cada irmão,
como testemunhou a boa e suave Tereza dos nossos tempos,
aquela que viveu lá em Calcutá,
com o rosto sulcado de bondade,
sacudindo o mundo com o seu desvelo para com os pobres
moribundos.
Somente Te conhecendo os miseráveis podem suportar a
dor das injustiças,
por isso sei que existes.
Sabes, oh Pai, os felizardos, os escolhidos,
os que Te viram não contam,
nem disseram como conseguiram Te ver.
Egoístas, não?
Como puderam Te encontrar,
Te ver, conversar,
gozar da Tua presença que afirmam confortar e esclarecer?
Dizem que o exemplo que eles deram é suficiente. Não, não é não.
Oração, jejum, penitência, sofrimento, não é normal, não é sadio,
Tu sabes bem disso.
Perceber teu sorriso de compreensão,
Tuas certezas, oh Pai,
é de tanta precisão neste mundo.
O caminho dos santos, não é pra todos não.
Tu sabes bem disso, também, não sabes, oh Pai?
Aquelas meditações sobre o Teu mistério são tão chatas,
tão complicadas..., não são pra qualquer um não.
Porque és tão avaro na distribuição
da graça do entendimento do Teu infinito amor?
Ela permitiria, mais do que os estudos e as reflexões,
penitências, peregrinações, procissões,
conhecer Tua compaixão, desfrutar da Tua misericórdia,
viver a alegria do Teu amor infinitamente radical.
Quem Te aconselhou a proceder assim, oh Pai. Quem?
Aqui entre nós: - cuidado com os que estão a Te assessorar,
são pessoas azedas que juram que querem
Te preservar,
preservar a integridade da Tua mensagem.
Veja só, oh Pai, que petulância, que arrogância, hein?
São complicadíssimos.
Pra Te entender são precisos anos de estudo e meditação.
Maria Goretti e a maioria dos mártires,
que morreram certificando Tua divindade,
seriam reprovados pelos teus representantes
num exame de conhecimentos sobre Ti,
numa prova sobre o catecismo, por exemplo,
como se todo esse conhecimento ajudasse
a mais amar
a rezar.
Todos nós precisamos de ajuda, oh Pai, da Tua ajuda diretamente.
Tu sabes bem disso.
Como ninguém, Tu também experimentaste,
Lá no Getsemani, no mistério da paixão do Teu Filho
a angustiante aflição da solidão...
Dói tanto Pai, a gente sofre tanto.
Quem te aconselhou a ficares longe de Auschwitz?
O Adorno, conheces não? O poeta disse que depois do que lá
aconteceu
era impossível continuar a fazer poesia.
Lá um garotinho,
judeu,
foi enforcado com uma corda de piano,
como sofreu,
o Teu pequeno filho, inocentemente atônito, que
pediu Tua ajuda,
freneticamente,
confiantemente – morreu espantado,
perplexo pela Tua omissão,
perplexo com Teu silêncio cósmico.
Não podias ter permitido aquilo tudo que lá ocorreu...
Lá uma judia, a freira carmelita Tereza Benedita da Santa Cruz,
a professora filósofa agora santa, Doutora da Igreja,
Edith Stein,
também morreu, por ser judia,
não por ser cristã,
depois de tanto ter pedido
ao Teu vigário na Terra
que condenasse o que estavam fazendo com o seu povo,
com o Teu povo,
e morreu não obtendo resposta
a não ser aquela que conforta apenas os mártires
que testemunham e denunciam,
como agora no silêncio sem corpos
milhões de sepulturas vazias,
continuam a testemunhar e a denunciar...
Sabias que lá naqueles campos arianos,
de terror e de bestialidade,
um tribunal judeu Te condenou?
Um tribunal do povo escolhido por Ti.
A eles não foi perguntado se queriam ser
os preferidos
e sofrerem sofrimentos inimagináveis,
testemunhando a aliança milenar que
impusestes.
O Wiesel, escritor sobrevivente do horror que permitistes,
afirma, que morrestes
lá nos campos de concentração do Holocausto,
com boa parte do teu povo.
Mas Tu havias morrido antes, também, lembras?
Como entenderam Tua morte?
Morreste por que eras judeu ou porque eras Deus?
Mesmo tendo bem consciente a Tua missão, suaste sangue.
O menininho judeu não estava consciente de nada
não era um Messias, não queria ser um Cristo
- ele só queria viver...
- a freira só queria rezar louvando Tua Glória...
O que aconteceu Contigo - morreste de novo,
definitivamente, e não voltas mais?
Te retiraste cansado para os confins do infinito?
O uso da liberdade que nos concedeste Te entristece tanto assim?
Não falas mais,
que silêncio é esse, oh Pai?
Assim procedendo nos privastes a todos do Teu
consolo.
Tu não nos criaste deuses, sequer deuses menores.
Somos mulheres e homens perdidos e confusos,
precisando de explicações
de carinho
de alguém que nos segure a mão.
Está tudo tão confuso, cada vez mais complicado,
antes bastava o catecismo e o padre confessor.
Agora estão a discutir se Tu és um
Deus pessoal ou um Deus não pessoal
Para um se pode rezar, com a razoável esperança de ajuda.
Para o outro não adianta – é a ordem imanente na física do Cosmo,
Oh trágico e desatinado non sense
esta tentativa tola de compreender um mistério,
o Mistério,
se, para tanto, basta crer e ter fé.
Ter fé,
- ora, ora ter fé
crendo em mistérios,
como se tudo isso fosse tranqüilo e fácil
pra gente como nós que nos temos por tão inteligentes,
tão racionais...
Sabes, oh Pai, o mais fácil
o mais digno,
o mais coerente e conseqüente,
o mais humano, enfim,
nestas solitárias condições,
seria valentemente desesperar,
de uma vez por todas, e pensar bobagens
apressando,
cansado
desorientado
desencantado,
na amargura de uma vida
mal vivida,
doída,
o encontro com a
morte,
que talvez com tudo acabe
até, definitivamente, com a
possibilidade
de conseguir, definitivamente,
Te encontrar
pra, então, entender,
um pouquinho só,
o enigma que Te envolve
e, assim, honesta e plenamente
poder
Te amar,
meu Senhor,
meu Deus
meu Pai.
(Publicada in a Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)