UM DESVIO 
(1ª parte)

 

(Dedico aos meus amigos Demétrio Sena e Jacó Filho)

 

 

“De como um dos peregrinos da Grande Jornada,

de repente, desviou-se, encontrando – após

longo sofrimento, o caminho...”

 

 

“É dilatado e aspérrimo o caminho

Que à luz do Empíreo vai das trevas do Orço

Estas de fogo ardente amplas muralhas,

Prisão insurpotável, invencível,

Dentro de nove círculos nos cercam;”

 

MILTON, PARAÍSO PERDIDO, Canto II

 

 

Bem como aconteceu não sei dizer...

Tal como Dante – ao meio do caminho,

Eu caminhava, e, um redemoinho,

Me transportou para um lugar qualquer.

 

Assim pensava eu todo inocente

Andava pela alta madrugada,

Participava da Grande Jornada,

Não fui sozinho – havia muita gente...

 

Estava muito alegre – entusiasmado

Foi fácil os primeiros obstáculos –

Me lembro das tertúlias nos cenáculos

Aquele céu em fogo lado-a-lado

 

A íngreme estrada – a sinuosa

Estava complicada – dolorida

Desértica ficou – sim só, sem vida

Já não havia mais nenhuma rosa...

 

Pois de repente veio a tempestade –

Uma forte neblina de areia,

Turvou então a vista e deixou cheia

De uns grãozinhos só – sem piedade.

 

Mas, logo de início, quem se importa?

A lágrima escorre lentamente –

É grande, então, o incômodo que sente

E a esperança vai ficando morta.

 

A caída não acontece logo

Nem cai-se, de repente,no abismo

Aos poucos vai o inconformismo

Na alma vai criando uma ferida...

 

E continua ainda a batalha

Se está no barco, então, ele naufraga

E até parece que vem uma praga

E aquela Fé cadê? Agora falha...

 

Eu procurei olhar pro Capitão,

Mas parecia longe – tão distante

Senti-me um peregrino, então, errante

E pareceu, pra mim, tudo ilusão...

 

Já não havia amor como o primeiro

E aumentava – e muito –, a hipocrisia,

Olhava pr’uma gente agora fria

Dos últimos achei-me o derradeiro...

 

Que procurava o bom e o que é belo

Que acreditava e tinha confiança,

Mas quando um golpe afeta a esperança

O verde se desbota pro amarelo...

 

E foi assim qu’estava em meu caminho

Em que minh’alma vinha preparada

E ao meio do caminho da Jornada,

Chegou o vento; veio o redemoinho...

 

Quando passou, estava eu à beira

De um caminho alegre, colorido,

Um povo sorridente – entretido,

Com música e dança e brincadeira.

 

Senti a sensação a euforia

Comida à vontade e beberagem

Prazeres obscenos que interagem

Com grande carraspana – ali havia

 

Mas no caminho – agora um outro mundo

Senti a sensação um tanto estranha

Pois ao atravessarmos a montanha,

Mudou a paisagem mais ao fundo...

 

“Sejam bem-vindos seres sem maldade...”

Na descida ouvimos de repente,

Um bafo, um miasma enojecente:

Vinha de lá “Na casa do bom Hades...”

 

(continua...)

Gonçalves Reis
Enviado por Gonçalves Reis em 30/01/2008
Código do texto: T838944
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