As serpentes

Deitei-me em shavaasana, postura do yoga que consiste em deitar-se no chão, deixar as mãos relaxadas e voltadas para cima, e apenas aproveitar o momento presente. Pensei comigo mesma: será somente um momento para liberar as tensões físicas? Para minha surpresa, deparei-me com a seguinte visão: com os olhos fechados, visualizei uma bola de cor lilás, que foi crescendo e crescendo, acalmando cada partícula do meu ser com seus tons suaves.

"Experiência bonita", pensei, até que, num instante seguinte, vi-me dentro de um quarto escuro. Muitas cobras amareladas envolviam meu corpo, com olhos vermelhos e mostrando suas línguas a todo momento. Arrepiei-me. Queria fugir do quarto escuro e das serpentes que me causavam um sufoco de força palpável, como se eu não pudesse dar um passo sequer. Eu sentia suas escamas ao meu redor e me apavorava. Desesperada, perguntava: como faço para me libertar delas?

Nesse momento, uma voz sussurrou:

"Não são serpentes, são as correntes que te prendem."

Correntes que não permitem o novo, que não dão espaço para chegar à porta do quarto escuro e ver a luz do lado de fora. As serpentes pareciam até espécies de companheiras, permanecendo ali comigo por um bom tempo, insistindo em não se desgarrar. Mas a voz da alma disse-me: "Eu vou me desprender delas!"

As cobras começaram a se retirar do meu corpo e passaram a rastejar ao meu redor. Apenas uma permaneceu. Ao tocar meu pé, senti-a começar a subir. Assustei-me, mas autorizei sua subida. Aquilo podia significar algo maior. Outra voz me disse:

"Não demonstre medo."

E ela subiu, até chegar diante do meu rosto, fitando-me com seus olhos vermelhos e mostrando sua língua. Estava tão próxima que era quase possível sentir seu toque em minha face. Confesso que gelei, mas ouvi novamente a voz:

"Não demonstre medo."

Ela sumiu. Não havia mais cobras. Apenas eu, em um quarto escuro.

"Vamos, procure pela porta!"

O pequeno cômodo fétido era tão escuro que eu quase não conseguia encontrar a saída. Até que a porta se transfigurou bem à minha frente, e a voz disse-me:

"Abra a porta e corra. Não olhe para trás!"

E eu obedeci. Lancei-me para fora da porta num salto e, finalmente, abri os olhos.

Fiquei desnorteada por alguns breves minutos após a experiência, até que entendi o que ela quis me dizer:

Minha querida, você estava se prendendo a correntes que não lhe permitiam ver o novo, repetindo padrões passados e pausando a transformação — assim como a cobra troca de pele.

Esse foi o momento da libertação, da porta para fora.

Agradeço às serpentes. Apesar do receio, entendi o porquê de sua personificação e seu significado na minha vida neste momento.

Troque de pele, de ares — mesmo que esteja ao chão, rasteje e encontre novos lugares, a fim de estabelecer novos vínculos com a terra. Da porta para fora, o mundo é mais claro, e eu posso permitir-me fluir com as águas do rio.

Termino essa visão transcendental com a frase do grande Lao-Tsé:

"Entregue-se ao mundo, e ele se entregará a você."

Cora Fox
Enviado por Cora Fox em 19/04/2025
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