TRANSCENDÊNCIA
São falsos os profetas
que vigiam os templos.
São aves de rapina
a sobrevoarem cadáveres insepultos.
São árvores secas
que não dão frutos!
Homens, pobres homens,
não querem escalar as montanhas,
os horizontes são seus limites,
anseiam o paraíso
mas forjam seus convites!
Querem paz,
semeiam destruição.
Um gatilho em cada dedo,
um punhal em cada mão!
Em cada braço um escudo,
em cada gesto um absurdo!
Mas há quem se faça exceção...
há quem pressinta
uma escada para o céu.
Há quem saiba renunciar
à coroa da glória,
à lareira no inverno,
ao pavor na escuridão,
à lágrima no féretro,
na fome ao pão!
Renunciar à vida no cadafalso,
aos sonhos ao dormir,
à esmola na sarjeta,
á sombra no deserto,
à lucidez na loucura!
Ao mel, ao vinho,
à chuva, ao carinho,
à flor, à visão,
às estrelas na amplidão,
ao travesseiro, ao cobertor,
ao brinquedo de natal,
ao remédio, ao teto,
ao desejo... à tudo!!!
Renuncie à própria perfeição
e a encontrarás...
numa manhã de sol, numa estrada de ouro, 1
num porto, num ancoradouro!
Ela te espera à milênios,
pra te seduzir!
Para te envolver,
pra te engolir!!!
Então... tudo que se quer ter
é a Herança Maior...
a recompensa da labuta,
é a dor, é a luta,
é o Amor, é a fruta!
O tesouro de um faraó,
o prazer das gueixas...
o pomo dourado
do Jardim das Hespérides! 2
Como é bom saber,
ter toda a certeza,
de que ela está lá...
a essência do saber...
que não se encontra
numa fonte de águas azuis,
tampouco no universo
de um quadro-negro!
Ela está dentro de nós
e fatalmente, até mesmo incessantemente,
a procuramos em cada átomo que nos compõem!
Como agulha esquecida no palheiro!
A beleza não é utopia,
ela se encontra na simplicidade
das coisas complexas,
como o canto das cigarras.
Quem já foi pássaro a voar, 3
apiedou-se das árvores imobilizadas.
Quem ao ser árvore, ofertava frutos...
apiedou-se das rochas frias e insensibilizadas.
Como também a Rocha Lapidada, 4
em Sua Pureza Imaculada,
apiedou-se dos homens sem asas!
Em cada asteróide
existe um carneiro e uma rosa,
dois ou três vulcões
e um menino de cabelos loiros!
Mas quase ninguém se interessa!
Em cada palavra
existem mil sons
para quem deseja ouvir!
A verdade se enfeita em mil tons
para quem deseja num lampejo observá-la!
Quanto tempo será necessário
para que alcancemos o topo,
as montanhas do Olimpo,
a casa dos Deuses?
Quantas quedas sofremos
Ícaros desavisados que éramos 6
desafiando o império das aves...
em vão!
Mas eis que aqui estamos,
admirando o chão
de onde um dia saímos,
como uma semente que germina
querendo alcançar o céu!
Galhos, folhas, flores e frutos,
alçados ao infinito,
mas os pés firmes
enraizados no chão!!!
E nos purificamos
com o passar célere do tempo,
como água cristalina
entre as pedras de um riacho...
Tombando nos campos de batalha,
desafiando as pás dos moinhos 7
que acariciavam a cabeleira do vento!
Meditando nas cachoeiras sibilantes
que entoavam as músicas dos faunos.
Observando os cogumelos dourados 8
que proliferavam no Japão!
Cada visão, uma lição!
Cada grito, uma recordação...
Cada pôr-do-sol, um adeus!
Agonizamos vendo a televisão,
de onde o sangue escorria...
preto... e branco!
E nos purificamos...
em sucessivas transformações...
em esquecidas encarnações,
na metamorfose incessante da vida,
pudemos compreender a transcendência esquecida,
dos versos tão simplórios
que compõem as partituras sublimes
deste eterno Jogo de Avelórios! 9
REFERÊNCIAS
1- Estrada de ouro- "O Mágico de Óz"
2- Jardim das Hespérides- "Os doze trabalhos de Hércules"
3- pássaro a voar-vide o livro "Transformações" de Hermann Hesse
4- Rocha Lapidada- referência a Jesus Cristo
5- menino de cabelos loiros- "O pequeno príncipe" de Antoine Saint Exupery
6- Olimpo e Ícaro- mitologia grega
7- pás dos moinhos- "Dom Quixote" de Miguel de Cervantes
8- cogumelos dourados- Hiroxima e Nagasaki
9- Jogo de Avelórios- vide o livro " O jogo das contas de vidro" de Hemann Hesse onde o autor descreve um jogo de homens sábios que compreendem as ocultas correlações entre todas as coisas. Para mim a vida é um eterno jogo de correlações.
Obs.Esta poesia foi escrita em um estado alterado de consciência.